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quarta-feira, 30 de agosto de 2023

“DAI-LHES VÓS MESMOS DE COMER”!

 

A preparação do mês vocacional da Arquidiocese de Ribeirão Preto, em agosto do ano de 1985, foi confiado ao Colégio Santa Úrsula pelo então Arcebispo Metropolitano, Dom Romeu Alberti. Direção, Professores, Alunos, Funcionários e Familiares dos Alunos se empenharam nessa preparação, tornando histórico o mês vocacional em toda a região da Igreja particular de Ribeirão Preto. Não se via e nem se ouvia falar nas Congregações de Religiosas na Arquidiocese. Tratava-se de um convite à promoção vocacional bem mais ampla: vocações sacerdotais, religiosas e leigas.

A Diretora e Priora do Colégio Santa Úrsula, Irmã Maria da Salette Barboza pediu-me que coordenasse o mês vocacional. Eu viera de Bogotá (Colômbia), onde iniciara o Curso de Teologia na Universidade Javeriana dos Jesuítas. Preparava-me e aguardava o visto de estudante para continuar os estudos de Teologia na Universidade Católica de Eichstätt na Alemanha. Um dos requisitos do Seminário daquela Diocese era que o candidato lá chegasse pelo menos, com as então chamadas “Ordens Menores”, os Ministérios de Leitor e Acólito. Uma vez que nos anos de 1983 e 1984 eu lecionara Ensino Religioso e Filosofia no Colégio Santa Úrsula, o Arcebispo achou por bem transferir a Catedral para debaixo do caramanchão do pátio interno do Colégio, instituindo-me nesses ministérios, durante a celebração do encerramento do mês vocacional, no dia 31 de agosto de 1985, às 9 horas, numa linda e ensolarada manhã de sábado. O Coral “Vozes do Santão” animou o canto litúrgico da celebração. Esse coral foi formado com alunos e alunas das disciplinas que eu ministrava. A data coincidia com o Encontro das Prioras e Diretoras das Comunidades e Colégios das Ursulinas do Brasil e do Peru.

O tema daquele mês vocacional foi “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16), o que passou a ser meu lema dos Ministérios de Leitor e Acólito, recebidos numa única celebração. Esta frase foi a que Jesus utilizou quando os discípulos se demonstraram preocupados com aquela multidão que passou o dia ouvindo a pregação do Mestre sobre o Reino de Deus. Tinham apenas dois peixinhos e cinco pãezinhos. Jesus insinuou de que “partilhassem de sua pobreza” para com quem sentia fome. Como Jesus não era “espetaculoso” e sim “espetacular”, quis contar com a comunhão e participação dos seus, para só então abençoar aquele “pouquinho” que eles possuíam, e multiplicar pães e peixes num “tanto”, que alimentou, segundo o Evangelho de São Mateus, cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças. E não esqueçamos que os judeus constituíam famílias com numerosos filhos. Milhares de pessoas se alimentaram por conta do milagre de Jesus, porém, com a participação e comunhão dos discípulos. Quem vive sua fé na Eucaristia ensimesmado, escondendo-a somente para si, anda na contra mão do gesto milagroso do Mestre. Não poucas vezes transferimos responsabilidades ou desanimamos facilmente achando que somos muito insignificantes ou impotentes diante das tantas formas de fome pelas quais passam as pessoas de nosso tempo. Fome de justiça, de liberdade, de trabalho, de moradia, de oportunidades, de paz interior e de uma vida bem mais digna. Devemos fazer a nossa parte. Especialmente os instituídos nos Ministérios de Leitor e Acólito não deveriam ficar limitados a proclamar as leituras ou a distribuir a sagrada comunhão nas celebrações. Deveriam ser exemplos de comunhão, participação e missão nas Comunidades, levando por exemplo, a Palavra e a Sagrada Comunhão aos Enfermos, Idosos e Pessoas que não têm como participar das celebrações. Outrossim, deveriam testemunhar uma vida de verdadeira “partilha da própria pobreza” com os irmãos na fé.

Se o 3º Ano Vocacional do Brasil tem como tema: “Vocação: Graça e Missão” e o lema: “Corações ardentes, pés a caminho” (cf. Lc 24,32-33), nosso lema nunca se desatualizará: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16).

Pe. Gilberto Kasper - Teólogo

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

“BOM” ROMEU ALBERTI!

 

O presente artigo relembra um de nossos Arcebispos de Ribeirão Preto, que governou nossa Igreja particular entre 22 de agosto de 1982 a 6 de agosto de 1988, quando atendeu seu nome ecoando na eternidade, depois de lutar contra uma leucemia. No dia de seu natalício, 21 de abril de 1983, recebeu de presente o diagnóstico de leucemia, cuja enfermidade guardou em sigilo absoluto, ate mesmo de seus familiares e secretário particular. Dom Romeu Alberti foi tão amado pelo povo, que da mais nobre elite às senhoras mais simples, descalças ou calçando sandálias de borracha, o chamavam de “Bom” Romeu Alberti.


Chegando de Apucarana (PR), onde fora o primeiro Bispo Diocesano, foi acolhido por uma multidão na alameda central da Praça da Bandeira em frente a Catedral Metropolitana de São Sebastião, na tarde do dia 22 de agosto, um domingo ensolarado. Sua chegada foi criticada por alguns clérigos, porque o então Vigário Geral, Mons. Horácio Longo, amigo da Família Biagi, o convenceu a chegar com seu carro pessoal de Apucarana até a cidade vizinha de Jaboticabal, onde embarcou num helicóptero gentilmente cedido pela Família Biagi. Logo foi rotulado de ser o Arcebispo dos “ricos”, “usineiros”, em detrimento dos mais surrados e pobres da região. Mal sabiam os que tais comentários faziam, que Dom Romeu era bem mais simples e pobre do que o adjetivavam. Vestia-se com tanta simplicidade, que a mitra muitas vezes se encontrava amassada. Certo dia apareceu com uma meia azul e outra marrom, arrancando gargalhadas de todos os que o avisaram do “descuido” ao calçar meias. Aparecia de camisa de mangas curtas. Só não abria mão da cruz peitoral e do anel episcopal. Alegrava a todos que com ele conviviam. Fazia rir até os mais desapontados com situações em extrema vulnerabilidade, não raras vezes.

Gostaria de testemunhar que Dom Romeu Alberti, sem nenhum juízo de valores, após as celebrações que presidia na Catedral em períodos solenes, como Natal, Passagem de Ano e Páscoa, preferia cear com os mais pobres da cidade. Não fazia tais refeições no Palácio Arquiepiscopal. Em 1984 fui por ele incumbido a leva-lo a Comunidades Faveladas com o porta-malas do Corcel, cheio de presentes que recebia naquelas ocasiões: panetones, bebidas finas, doces, queijos entre tantas outras guloseimas. Parávamos em determinado barraco, aleatoriamente e nos convidávamos a cear com a família que ali residia, ou sobrevivia. Geralmente era um barraco minúsculo com sete ou oito moradores. Comíamos e bebíamos o que tinham a oferecer: pão seco e duro, bolachas Maria, suco ou café bem ralos.

Numa dessas visitas, as cadeiras eram caixas de sabão. Ao sentar-se sobre uma daquelas caixas, Dom Romeu caiu de costas e pernas para o ar, quebrando com seu peso a caixa frágil de sabão. Foi uma festa e muitas risadas.

Ao final da ceia juntamente com os anfitriões, Dom Romeu convidava os membros daquela Família e alguns vizinhos, para aproximarem-se do Corcel. Pedia para abrir o porta-malas e começava a distribuir os presentes que levara. A alegria estampada no rosto, especialmente das crianças, era para nós o maior presente que alguém possa desejar. Ao retornar para o Palácio, Dom Romeu pedia que isso ficasse em sigilo absolto. Ninguém podia saber onde ceara.

Encontro-me em Ribeirão Preto desde 1982, porque Dom Romeu Alberti não me deixou retornar para a cidade de Novo Hamburgo (RS). Enquanto estudei em Bogotá na Colômbia, fez questão de me visitar numa de suas idas ao CELAM (Conselho Episcopal Latino Americano), e quando estudei em Eichstätt na Alemanha me visitou três vezes, sendo que na última vez, quando celebrava seu Jubileu de Prata de Ordenação Episcopal a 24 de maio de 1987, quis ordenar-me diácono, mesmo que precocemente.

Desde a eternidade, debruço minha esperança sobre a fé, de que “Bom” Romeu Alberti olha por nossa Arquidiocese e nossas Vocações. Era um grande incentivador da então chamada “Obra das Vocações Sacerdotais” – OVS. Arrisco-me a dizer, e só a mim mesmo, de que se tratava de um santo homem, Dom Romeu Alberti, que viu na festa da Transfiguração do Senhor em 1988, o próprio Cristo transfigurado!!! Que privilégio! Celebrou sua páscoa exatamente 10 anos após a de São Paulo VI!

Pe. Gilberto Kasper Teólogo


quarta-feira, 16 de agosto de 2023

PASTORES SEGUNDO O CORAÇÃO DE CRISTO!

 

Há muitos modos de ser pastor e de evangelizar. Cada um colocando seus dons a serviço do Reino de Deus, conforme lhes foram concedidos gratuitamente. Mas há algo em comum que nunca poderá faltar em nosso pastoreio: Sermos todos configurados com Cristo, o Bom Pastor, que conhece suas ovelhas pelo nome, as ama, as acolhe, as compreende, as aceita como são, as perdoa e as traz de volta nos ombros (melhor seria ainda, apertá-las ao coração), não para seu prestígio próprio, mas o rebanho eclesial.

 

O Pastor que atrai as ovelhas para si, sem conseguir conduzi-las pelo itinerário do Senhor a Deus, é desfigurado do Cristo, o Bom Pastor. Sermos pastores que não machuquem, surrem, enxotem as ovelhas que lhes são confiadas, às vezes porque não nos bajulam ou discordam de nossos métodos, ou ainda, tentam ajudar-nos por meio da correção fraterna. Sermos pastores que não emoldurem e engessem o rebanho em nossas estruturas, muitas delas já ultrapassadas e opressoras. Quantos de nós ainda somos pastores que não saem de suas sacristias e salas de atendimentos: há até os que exigem ofício para uma conversa, ou exigem senha para um encontro com suas ovelhas, o que é diferente de agendar atendimentos espirituais ou pastorais. Há os que exploram as ovelhas e quando já não satisfazem mais seus caprichos, são excluídas do rebanho, sem nenhuma tentativa de diálogo.

 

Nossas ovelhas são mais exigentes em nossos dias, e não saem mais atrás de qualquer pastor, só porque é bonito, atraente, canta bem, se veste com roupas de marca e frequenta regularmente shoppings e reuniões que lhes garantam um minuto de fama. As que fazem isso acabam desistindo no meio do caminho profundamente decepcionadas, porque não chegaram ao verdadeiro destino: Jesus Cristo Ressuscitado. Pararam em alguém que brincou de ser pastor e que não soube cumprir com sua missão: a de conduzir o rebanho às verdadeiras pastagens propostas pela Igreja de Jesus Cristo, que é despretensiosa, simples, pobre com os pobres, totalmente despojada de poder, arrogância, prepotência e falsos valores, mas que chora e sofre com as ovelhas machucadas por uma cruel Cultura de Sobrevivência, despida de dignidade humana! Na Igreja de Jesus Cristo não há lugar para disputas que geralmente produz a inveja, fruto de desequilíbrios mal administrados, interiormente. Quem não gasta sua vida pelas ovelhas não serve para ser pastor, é antes um impostor!

 

Precisamos de Vocações santas, simples, puras, configuradas a Cristo, o Bom Pastor! Não esqueçamos o pronunciamento dos Bispos reunidos em Puebla na III Conferência Episcopal da América Latina e do Caribe: "As Vocações (santas e não mercenárias) são a resposta de um Deus providente à uma Comunidade orante...".

 

A próxima semana, à luz do Mês Vocacional é dedicada à vida consagrada. Religiosos e religiosas que se consagram totalmente ao serviço do Reino de Deus, procurando viver intensamente os votos de obediência, castidade e pobreza.

 

Desde que me conheço por gente senti o desejo de ser padre. Muitas foram as dificuldades para isso. De lábios sacerdotais ouvia frequentemente a expressão “não serve”. Quem mesmo me incentivou a não desanimar e responder ao chamado que sussurrava em meu coração, foram religiosas consagradas. Essas sim acreditaram em minha vocação. Não obstante meus tão numerosos limites, recebi o sacramento da Ordem e fui ordenado padre. Por isso, minha primeira gratidão é a Deus, que sei me chamou, do contrário não teria ultrapassado todos os obstáculos para ser padre. Já em segundo lugar, minha gratidão muito profunda é às Religiosas que, presentes em minha vida, desde a educação básica até o dia de minha ordenação sacerdotal, não me deixaram desistir dela, a vocação ao ministério sacerdotal. Hoje gostaria de expressar minha gratidão a todas as Irmãs Religiosas, que de alguma maneira me conduziram à realização de minha vocação, na pessoa de minha madrinha de ordenação presbiteral, a Irmã Maria da Salette Barboza, uma religiosa Ursulina. Mulher-Igreja e testemunha da verdadeira vida totalmente consagrada ao Reino de Deus. Sejam todas grandemente abençoadas e recompensadas!

 


Pe. Gilberto Kasper - Teólogo

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

PENSE NUMA PESSOA DOCE!

 

O falecimento de Dom Geraldo Lyrio Rocha, Arcebispo Emérito de Mariana (MG), na madrugada do dia 26 de julho passado entristeceu o coração de muitas pessoas e me assustou, como não poderia jamais imaginar! Pense numa pessoa doce! Foi assim que conheci Dom Geraldo, quando eu ainda era seminarista e ele ainda não havia sido nomeado bispo. Amigo de amigos comuns em Ribeirão Preto e Vitória no Espírito Santo, tive o privilégio de conviver com ele inúmeras vezes, quando lhe servia de cicerone durante as visitas que fazia por aqui. Em datas especiais, especialmente de aniversários, nos falávamos sempre. Não poucas vezes conversávamos assuntos, os mais diversos, pelas redes sociais. Nossa última conversa mais longa foi por ocasião de seu 39° aniversário de ordenação episcopal, dia 31 de maio passado.

No dia de seu aniversário natalício, dia 14 de março de 1984, cursando o doutorado em Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana e residindo no Colégio Pio Brasileiro em Roma, ouvia-se a publicação de sua nomeação como Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Vitória (ES). O arcebispo de então em visita a Roma, foi quem, a pedido do também então Núncio Apostólico no Brasil, o consultou se aceitaria ser bispo. A resposta do Padre Geraldo Lyrio ao Papa foi: “sempre digo sim ao que a Igreja me pede”. Esta era a sua postura, desde que entrou para o Seminário Coração Eucarístico em Belo Horizonte (MG) com apenas 18 anos de idade. Seu reitor viria a ser nosso Arcebispo Metropolitano, Dom Arnaldo Ribeirão, em 1989. Sua ordenação episcopal em 31 de maio de 1984 arregalou os olhares dos bispos concelebrantes por causa de um pente. O cerimoniário que conduziu a celebração, após a unção do Óleo do Crisma sobre a cabeça de Dom Geraldo Lyrio, tirou um pente do bolso e penteou o cabelo do novo bispo que ficara todo desarrumado. Muitas foram as gargalhadas, até mesmo dos senhores bispos.

Foi, depois, o primeiro Bispo Diocesano de Colatina (ES), onde eu pude visita-lo por ocasião do Congresso Eucarístico Nacional em Vitória (ES) em 1996, enquanto eu participava de um Curso para Formadores da América Latina naquela Arquidiocese. Sabia acolher desde os mais simples (como eu) às mais importantes autoridades eclesiásticas ou civis, como ninguém. A doçura de sua simpatia sempre esteve estampada em seu rosto. Me ensinou que “nosso olhar atento àqueles que nos falam, revelam os sentimentos de nossa alma”.

Preparou com zelo e sensibilidade ímpares as celebrações dos 500 anos da descoberta do Brasil, como presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

Tornou-se Arcebispo de Vitória da Conquista (BA) e por último de Mariana (MG), tendo sua renúncia aceita em 2018 pelo Papa Francisco. Mas nunca parou de trabalhar. Tanto que faleceu em Altamira (PA), onde pregaria o retiro dos padres daquela Diocese. Iria a Roma, ao Sínodo dos Bispos em outubro próximo.

De 2007 a 2011 foi o presidente da CNBB, desempenhando esse serviço com muita coragem, sempre persistindo no valor da vida, profetizando contra a corrupção, conduzindo ao Congresso Nacional a proposta da Lei da Ficha Limpa, que de tanto mal interpretada, já sujou todinha de novo.

Incumbido de apanhá-lo no aeroporto em São Paulo, para pregar um dos retiros espirituais de nossos padres em Brodowski, bebi de sua sabedoria em cada palavra proferida e pensamento exalado. Me ensinou que “uma das melhores maneiras de conhecer uma pessoa, é viajando com ela”! Foi um retiro (presencial) muito rico e cheio de bênçãos e graças. O segundo retiro para o qual nosso representante dos presbíteros, Pe. Ivonei Adriani Burtia, o convidou, precisou ser virtual por causa da pandemia. Textos muito ricos, colocações precisas e renovadoras, para quem os absorveu!

Por ocasião do jubileu de prata episcopal de Dom Arnaldo Ribeiro em 2000, Dom Geraldo Lyrio veio celebrar e, para meu susto, escolheu hospedar-se na então modesta casa paroquial de Bonfim Paulista, na qual Paróquia eu tentava servir. Ao invés do jantar de gala oferecido na ocasião, pediu-me para comermos uma pizza em algum lugar mais simples. Permitiu-me por inúmeras vezes partilhar consigo de minha pobreza. Desde a eternidade, do colo de Deus e acariciado por Nossa Senhora, Dom Geraldo Lyrio Rocha, certamente será inspiração para os Padres Sinodais no Sínodo dos Bispos, para o qual foi indicado na última Assembleia da CNBB. “Foi-se a Rocha, e agora fica o perfume do Lyrio”! Pense numa pessoa doce! Geraldo Lyrio Rocha!

Pe. Gilberto Kasper - Teólogo



quarta-feira, 2 de agosto de 2023

AGOSTO É O MÊS VOCACIONAL!

 

Agosto no Brasil é o mês vocacional! E neste ano celebramos o 3º Ano Vocacional do Brasil (2022-2023), que tem como tema geral: “Vocação: Graça e Missão” e como lema: “Corações ardentes, pés a caminho” (cf. Lc 24,32-33). É o Brasil inteiro rezando, num só coração, por vocações sacerdotais, diaconais e religiosas a serviço do Reino de Deus em nosso País com dimensões continentais! 

Aos sete anos de idade, quando cursava o primeiro ano do Ensino Fundamental, nem bem falava o português, já que em casa falávamos o dialeto alemão Hünsrick. A Escola Sagrado Coração de Jesus da Congregação alemã das Irmãs de Santa Catarina de Alexandria me alfabetizou utilizando-se desse dialeto para aprender o português, bem como me preparou naquele mesmo ano de 1964 para minha Primeira Comunhão, há 59 anos, no dia 4 de outubro. Minha primeira professora, coincidentemente minha prima, Irmã Fátima Kasper e a Irmã Neófita foram minhas primeiras catequistas. Sou profundamente agradecido, também, ao Padre Urbano José Hansen que fez de meu coração, pela primeira vez, o sacrário de Jesus Eucarístico. Jamais esqueci aquele dia, um dos primeiros mais lindos de minha vida. Já sentia muita vontade de ser padre. Prestava atenção no Pároco e dizia a mim mesmo, que um dia seria como ele. Maior ainda foi minha alegria, porque depois da Primeira Comunhão, pude também, ser instituído Coroinha. Quanta gratidão!

Reconheço que desde a infância fui um moleque muito peralta, arteiro, curioso e questionador. Sempre queria saber o “por que” das coisas. Quis entender como a Irmã Fátima conseguia desenhar em trinta folhas brancas, frutinhas, florezinhas, animais, casas e árvores, todas iguais. Éramos trinta alunos. Imaginei mil maneiras de como ela fazia aquilo. Devia passar a noite desenhando as trinta folhas, a fim de que no dia seguinte nós pudéssemos pintar aquelas figurinhas todas. Assim começávamos a conhecer e distinguir pedagogicamente formas, cores, nomes etc.

Certo dia fiquei escondido na sala de aula, durante o intervalo sem ser percebido. Fui à mesa da Irmã Fátima e abri um estojo de carimbos e almofada. Experimentei todos eles na capa e nas primeiras páginas da Cartilha do Mestre que se encontrava também sobre a mesa da professora. Foi quando entendi porque os desenhos de todas as folhas eram iguais. Senti grande alegria de curiosidade satisfeita.

Na volta do intervalo, os alunos todos em suas carteiras, a Irmã Fátima entrou na sala e quase desmaiou ao ver sua cartilha. Em voz severa e forte perguntou: Quem sujou minha cartilha de mestre? Um silêncio profundo se impôs e ninguém nem imaginava que teria sido eu, a experimentar os carimbos na cartilha da Professora. Ela pegou uma régua de mais de um metro, daquelas de aço que fazem um ruído e causam um ventinho ao ouvido, quando balançada, e foi de carteira em carteira perguntando se havia sido aquela ou aquele aluno. Alguns levaram uma boa “bordoada”. Ainda não existia o Código da Criança e do Adolescente! Eu sentia a dor de cada colega que apanhava por minha culpa, mas não tive a coragem de dizer que havia sido eu. Ao chegar próxima de mim, me fitou e disse: “Tu não podes ter feito isso, porque será padre!” Eu senti um alívio meio estranho, não tanto por não apanhar, mas pela profecia da minha primeira professora, que eu seria padre! Passadas algumas semanas, arrependido pedi desculpas à professora e aos meus colegas.

É na pessoa de minha primeira professora, a Irmã Fátima Kasper, que agradeço e presto minha mais sincera homenagem a todos os meus professores. Lembro-me de todos com profunda gratidão! Sintam-se acariciados todos os Professores. Abençoada a vocação de ensinar e educar, mas também por despertarem tantas vocações ao serviço gratuito na Igreja de Jesus Cristo que vive, e de quem somos testemunhas através de nosso ministério!



Pe. Gilberto Kasper

         Teólogo