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quarta-feira, 24 de novembro de 2021

MINHA PRIMEIRA NOÇÃO DE CÉU!

 

Padre Gilberto Kasper é Mestre em Teologia Moral, Licenciado em Filosofia e Pedagogia, Especialista em Bioética, Ética e Cidadania, Professor Universitário, Docente no CEARP – Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto, Assistente Eclesiástico do Centro do Professorado Católico, Assessor da Pastoral da Comunicação, Pároco da Paróquia Santa Teresa D’Ávila, Reitor da Igreja Santo Antônio, Pão dos Pobres da Arquidiocese de Ribeirão Preto e Jornalista. Contato: pe.kasper@gmail.com

Era domingo, Festa Litúrgica da Sagrada Família, Padroeira da Paróquia de Três Corôas (RS), onde fui batizado no dia 16 de junho de 1957 e crismado no dia 2 de novembro de 1959. Meu pai com 27 anos de idade, como Presidente do Conselho Administrativo Paroquial, passou o dia trabalhando na festa. O Pároco e meu pai cultivavam profunda amizade.

Minha mãe com 25 anos de idade também estava presente. Éramos quatro filhos: o mais velho com 6, eu com 4, o terceiro com 2 anos e minha irmãzinha, internada com uma enfermidade sem cura na época, com apenas 5 meses de idade. Ela faleceu no dia do enterro de meu pai.

Na manhã seguinte, dia 15 de janeiro de 1962, às 7 horas, meu pai cometeu suicídio. Disparou um único tiro no ouvido direito, que saiu no olho esquerdo. Minha mãe e nós três meninos estávamos na casa dos avós paternos. Meu pai deixou seu caminhão em frente ao atacado de cereais que possuía, subiu ao quarto do casal na residência sobre o mesmo atacado e disparou com seu revólver calibre 38. Seu sócio ao ouvir o tiro chamou meu avô paterno para entrarem juntos no recinto. Eu, sempre o mais curioso dos três corri atrás e assisti aquela cena em que socorriam meu pai todo ensanguentado. Levaram-no ao Hospital bem próximo de nossa casa.

Todo o povoado se concentrou em frente ao Hospital numa corrente de oração, sem naturalmente compreender por que meu pai cometera o suicídio, que na minha modesta opinião é o ápice do encontro da coragem com a covardia. Meu pai sobreviveu por 12 horas. Por volta de 16 horas recobrou a consciência e pediu para falar com minha mãe, meu irmão mais velho e o padre. Segundo o próprio padre me contou anos mais tarde, meu pai balbuciou seu arrependimento e recebeu a então chamada “Extrema Unção”! Faleceu às 19 horas.

Quando minha mãe, minha avó paterna e minha tia (a irmã de meu pai) retornavam do Hospital, estávamos todos apreensivos por notícias. Quando meu irmão mais velho perguntou pelo pai, nossa tia apontou para um pôr de sol magnificamente indescritível de tão belo. O sol se despedia, debruçando-se sobre uma montanha rochosa que fica diante da casa de nossos avós. Ela nos disse: “Vejam como o céu se vestiu lindamente. Foi para receber o pai de vocês. Agora ele está lá, no colo de Deus, acariciado por Nossa Senhora”! Certamente gravado em meu subconsciente, ao alcançar a adolescência, ganhando minha primeira máquina fotográfica, passei a fotografar pôr de sol. De todas as minhas fotografias, as que mais me agradavam, eram as de pôr de sol. Com o passar do tempo descobri que naquele pôr de sol, me fora dado Minha Primeira Noção de Céu!

Durante o mês de setembro refletimos amplamente a prevenção ao suicídio. Quis minha história de vida, colocar-me em contato com a morte, que dói tanto, por meio do suicídio de meu amado pai. Ao longo de meu ministério presbiteral, acompanhei com profundo zelo e sensibilidade pastorais, as famílias que, como a minha, precisaram lidar com o suicídio. E não foram poucas. O suicídio não só mata quem se suicida. Mata também um porquinho de cada membro da família que se vê obrigada a entregar uma pessoa que ama com tamanha crueldade. Meu pai teve a graça do arrependimento e da Unção dos Enfermos. Continuo acreditando no dedo de minha tia apontando para aquele belíssimo pôr de sol, Minha Primeira Noção de Céu!



quarta-feira, 17 de novembro de 2021

QUEM DECOROU A TABUADA? TIREM UMA FOLHA!

 

Padre Gilberto kasper é Mestre em Teologia Moral, Licenciado em Filosofia e Pedagogia, Especialista em Bioética, Ética e Cidadania, Professor Universitário, Docente no CEARP – Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto, Assistente Eclesiástico do Centro do Professorado Católico, Assessor da Pastoral da Comunicação, Pároco da Paróquia Santa Teresa D’Ávila e Reitor da Igreja Santo Antônio, Pão dos Pobres da Arquidiocese de Ribeirão Preto e Jornalista. Contato: pe.kasper@gmail.com

Eu estava na quarta série do ensino fundamental, o então chamado quarto ano do primário. Minha professora, era a mais temida pelas turmas do Colégio inteiro. Exigente e com fama de reprovar os alunos, zelava especialmente pela matemática, disciplina que não era a minha preferida. Mas confesso, que por puro medo, me dedicava sobremaneira para aprender a matemática, pois com fama de “padreco” não seria bom decepcionar meus colegas e muito menos as Irmãs da Congregação de Santa Catarina de Alexandria, minhas grandes incentivadoras para meu ingresso no Seminário. O Colégio Sagrado Coração de Jesus, situado em frente à Igreja Matriz, cuja Paróquia tem o mesmo patrono, é de propriedade das Religiosas em Novo Hamburgo (RS).

Certa manhã a Professora Marlene Staub entrou na sala de aula, nos convidou a rezar e já sentados, disse em voz bem alta e severa: “Quem decorou a tabuada? Tirem uma folha, pois agora saberei... Na folha que vocês tiraram de seus cadernos, só escrevam o que eu disser e nada mais, por favor!”

E a Professora Marlene começou a dizer: “Duas vezes duas, é a igual a”, e assim por diante até dez combinações da tabuada. Eu, obedientemente só escrevi o que a Professora disse e nada mais. Ao receber de volta a prova de surpresa, havia um “Zero” enorme e em vermelho. Fui reclamar com a professora que me chamou de “burro” e incapaz de decorar a tabuada. Ao que eu respondi que sabia sim, a tabuada de cor, mas que escrevi exatamente o que ela mandara. Logo o burro nessa história não seria eu. Insinuei que a professora não fora nada didática e nem clara ao aplicar a prova de surpresa, diante de todos os colegas. Éramos trinta e dois alunos na classe. E isso me levou à Diretora, a saudosa Irmã Cláudia Ody.

Já na Direção a professora Marlene dramatizou minha conduta em sala de aula. Depois a Irmã Cláudia quis ouvir minha versão sobre o fato. Eu contei que fui obediente ao que a professora nos pedira e não merecia o zero. Deixei a diretora e a professora numa situação difícil. Por fim a diretora pediu que a professora tomasse oralmente a tabuada de mim diante dela. Acertei todas as combinações e provei à professora Marlene de que eu estudara e sabia a tabuada de cor sim. Por causa da confusão, que segundo a professora, eu causara, ela não quis me dar um dez. Mas a diretora em minha defesa, ordenou que nessa prova eu deveria receber um “dez com louvor”. Pediu que rezássemos uma Ave Maria e voltássemos à sala de aula. Ao sairmos da sala da diretora, todos os colegas estavam do lado de fora, espionando o desfecho dessa história, mais uma de tantas verídicas, que vivi e jamais esqueci: nem a tabuada, nem a defesa da diretora e também jamais esqueci minha querida professora, que a partir daquele dia passou a ser menos temida e mais querida!



quarta-feira, 10 de novembro de 2021

QUALIDADE DE VIDA COM RESPONSABILIDADE!

 

Padre Gilberto Kasper é Mestre em Teologia Moral, Licenciado em Filosofia e Pedagogia, Especialista em Bioética, Ética e Cidadania, Professor Universitário, Docente no CEARP – Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto, Assistente Eclesiástico do Centro do Professorado Católico, Assessor da Pastoral da Comunicação, Pároco da Paróquia Santa Teresa D’ Ávila e Reitor da Igreja Santo Antônio, Pão dos Pobres da Arquidiocese de Ribeirão Preto e Jornalista. Contato: pe.kasper@gmail.com

Quando leio algumas postagens tão radicais e polêmicas nas Redes Sociais, lembro-me de minha infância e da qualidade de vida com responsabilidade, que naquele rico tempo vivíamos. Não estaria na hora de pararmos de “brigar” e revermos nossa responsabilidade pessoal sobre tudo o que está acontecendo neste “mundo de Deus”?

Tive uma infância bastante difícil e pobre, porém nem por isso infeliz. Aliás, era feliz como talvez poucas crianças hoje o são. Órfão de pai aos quatro anos, minha mãe, meus avós paternos e minha tia Nelcy falecida recentemente, me transmitiram a mim e aos meus dois irmãos tão queridos, valores essenciais e educação de berço que nenhum maternal, jardim de infância ou primeiro ano do ensino fundamental conseguem transmitir.

Havia tempo para tudo: acordar cedo, ir a pé para a escola, andando cerca de quatro quilômetros, apresentar tarefas escolares caprichosamente feitas em casa, varrer as salas de aula de toda a escola, depois das aulas para garantir a bolsa de estudos, voltar os mesmos quatro quilômetros a pé para casa, almoçar, lavar a louça, arrumar a casa, fazer as tarefas de aula, que eram diárias, brincar em torno da casa ou jogar uma hora de futebol no campinho em frente à residência, tomar banho, rezar, jantar e deitar cedo para o merecido descanso. Estudávamos em escola particular de religiosas que complementavam a educação básica que um cidadão de bem precisa cultivar durante a vida inteira. Quando o avô arrendava algum terreno, íamos também plantar no mesmo: mandioca, abóbora, milho etc. O dia era tomado de tantas atividades, que quando chegava a noite, estávamos cansados e logo dormíamos um único sono, o “sono dos inocentes e justos”! A vida religiosa das famílias entre outras atividades e até imprevistos merecerão outro artigo.

Diferentemente de hoje, as residências, mesmo as mais simples de madeira, eram construídas bem no meio do terreno. Atrás da casa tínhamos uma horta e um pomar, cultivados por nós mesmos. Não conhecíamos as tais “feiras livres” que existem hoje. As famílias plantavam, cultivavam e colhiam o necessário para zelarem por uma vida saudável, sem nenhum agrotóxico. Aproveitávamos o lixo úmido como adubo. Nem caminhão de lixo passava, porque cada família condicionava o seu próprio lixo: não havia enchentes por causa de esgotos entupidos e sujos, e até a calçada e a beira da rua nós mesmos capinávamos. Já em frente à casa tínhamos um jardim de flores, as mais diversas (minha mãe cultivava as roseiras de sua predileção). Tínhamos, também, ao redor da casa uma grama bem plantada e cuidada, para não sujar os alicerces da casa e nem os pés dos “moleques” que tantas vezes se contentavam de brincar de “esconde-esconde” ou exerciam outros exercícios que evitavam a obesidade das crianças. Éramos todos fortes, robustos e bem sarados, sem nunca frequentar alguma academia (nem existiam as academias), mas esbeltos e crianças bonitas, excluída a “falsa modéstia”!

Os tempos mudaram e as novas tecnologias passaram a ocupar práticas saudáveis, forçando crianças, adolescentes, jovens e adultos a hábitos que engordam, deprimem, isolam as pessoas umas das outras e escondem umas tantas outras atrás de postagens tão selvagens, cruéis e mentirosas, que difamam, ofendem e violentam a dignidade de quem está do outro lado, de quem não pensa igual, ou de quem é até ameaçado de apanhar, caso emita opinião diversa. Ninguém é melhor do que ninguém. Todas as pessoas têm qualidades e defeitos. Se cada um começar a olhar do nariz para trás, ou seja, para dentro da própria consciência, talvez se assuste. Mergulhemos aos porões de nossa intimidade e de uma vez por todas, passemos a nos respeitar mais. Só assim promoveremos uma melhor qualidade de vida com responsabilidade!

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Coletivo Online: inscrições abertas!

São 150 vagas para o último Coletivo Online do ano, parceria FAC/Instituto Coca Cola do Rio de Janeiro.

Link para inscrição: https://bit.ly/domhelder20214Dúvidas whatsapp: (16) 99192-8499



POR QUE TANTO MEDO DA MORTE?

 

Padre Gilberto Kasper é Mestre em Teologia Moral, Licenciado em Filosofia e Pedagogia, Especialista em Bioética, Ética e Cidadania, Professor Universitário, Docente no CEARP – Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto, Assistente Eclesiástico do Centro do Professorado Católico, Assessor da Pastoral da Comunicação, Pároco da Paróquia Santa Teresa D’ Ávila e Reitor da Igreja Santo Antônio, Pão dos Pobres da Arquidiocese de Ribeirão Preto e Jornalista. Contato: pe.kasper@gmail.com

Neste dia 2 de novembro celebramos o Dia de Finados, lembrando de todos os nossos fiéis falecidos, neste ano especialmente, as mais de 606 mil vidas ceifadas pelo Novo Coronavírus, a COVID-19.

Se há alguns poucos anos falar de sexo abertamente era tabu, hoje é tabu falar em "morte". Por que tanto medo da morte? A grande certeza que vivemos, é que um dia morreremos, no entanto "morremos de medo de morrer...". Cada vez que a morte passa por perto, ou me encontro diante dela através do exercício de meu ministério, encomendando alguma pessoa falecida, meu questionamento é em relação à vida que levo! A morte é uma excelente oportunidade de melhorar minha qualidade de vida. Geralmente deixamos para depois, as mudanças que talvez tivessem de ser revistas logo. É bom não sabermos o dia e a hora de nossa morte, mas quando vier, e nosso nome ecoar na eternidade, não terá outro jeito, a não ser morrer! Há quem chama a morte de segundo parto. O primeiro acontece quando deixamos o útero materno, que geralmente é aconchegante e delicioso. Talvez por isso a criança, ao nascer chora. O segundo parto, é deixar o "útero da terra". Por mais difícil que seja viver, ninguém quer partir. A morte dói, nos faz chorar e traz vazio com sabor de saudade inexplicável.

Nossa vida poderia ser comparada a uma viagem de ônibus. Quem ainda não andou de ônibus? Quando nascemos, entramos num ônibus, que é a vida terrena. A única certeza que temos é que há um lugar reservado para nós. Uma poltrona. Não sabemos quem serão nossos companheiros de viagem. Apenas sabemos que a poltrona reservada para nós deverá ser ocupada. Às vezes, ocupamos a poltrona do outro, e isso nos traz constrangimentos. Já assisti muitos "barracos" em ônibus cuja mesma poltrona estava reservada para duas pessoas. Não sabemos quem serão nossos pais, irmãos, amigos, parentes, enfim...

Nossa única missão é tornar a viagem a mais agradável possível. Às vezes há pessoas que tornam a viagem insuportável; outras vezes a viagem é agradável!

Há também o bagageiro. Nossas coisas não podem ocupar o lugar dos outros, mas devem caber em nosso próprio bagageiro do ônibus, a vida!

O ônibus, de vez em quando pára na rodoviária. Se a viagem de ônibus é a vida terrena, a rodoviária é a morte. Ninguém gosta da rodoviária: há cheiro de banheiros, de óleo diesel, barulho de ônibus chegando e saindo, ninguém se conhece, muita gente se esbarrando ou até se derrubando. Há sempre uma incerteza, um friozinho na rodoviária que arrepia nossa espinha, que é a morte. Ninguém gosta da rodoviária: todos passam por ela porque precisam, mas não porque gostam. Haverá um momento em que nosso nome será chamado no alto-falante da rodoviária. Então precisaremos descer do ônibus da vida. Se tivermos enviado algum bilhete, uma carta, feito um telefonema ou até mesmo enviado um e-mail para a eternidade, avisando nossa chegada, não precisaremos ter medo, porque Deus estará esperando por nós. O bilhete, a carta, o telefonema, o e-mail são nossa maneira de viver a fé, a esperança e a caridade através de nossa relação conosco, com Deus e com os outros!

Assim Deus estará esperando-nos na rodoviária da morte. Seremos identificados e acolhidos por Ele, de acordo com o que fomos e fizemos, nunca com o que tivemos. Se Deus não tiver tempo, pedirá ao Seu Filho Jesus para buscar-nos e conduzir-nos à morada eterna. Se de tudo Jesus também não tiver tempo, Nossa Senhora nunca nos deixará perdidos ou esperando na rodoviária da morte. Ela estará lá, de braços abertos, para receber-nos e levar-nos à presença de Deus, colocando-nos em Seu Eterno Colo de Amor. É o que rezamos sempre: "...rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém!"