Meus queridos
Amigos e Irmãos na Fé!
A liturgia deste domingo apresenta a
palavra como luz para nossa
vida e nos coloca diante de duas realidades que, continuamente, nos interpelam
e exigem nossa opção: a “palavra
do mundo” e a “palavra de Deus”.
Convida-nos a pensar no modo como nos situamos na comunidade cristã e na sociedade
e até que ponto esta palavra
é capaz de orientar nosso agir.
‘Discípulos
dele (de Jesus), somos chamados a tomar posição, em meio aos conflitos sociais,
a favor do direito e da justiça e pôr-nos a serviço de todos, principalmente
dos empobrecidos, sem ambicionar honrarias. Façamos de nossa prática religiosa
não um trampolim para o prestígio, mas um sinal de nosso compromisso com o
reino de Deus.
A Palavra
de Deus
denuncia as intenções perversas dos injustos contra os justos, ensina que a
inveja e a rivalidade são causas de obras más e nos convida a abraçar Cristo no
pobre e no pequeno.
A presença
do justo sempre incomoda os perversos e corruptos. Jesus anuncia novamente sua
paixão e convida os discípulos para a humildade e o serviço. A inveja e a
rivalidade são causa de muitos males na comunidade’ (Cf.
Liturgia Diária de Setembro de 2012 da Paulus, pp. 72-74).
Jesus
denuncia e pede que tenhamos cuidado com o poder, com as tentativas de domínio
sobre os outros, com os sonhos de grandeza, com as manobras para conquistar
honras, lucros e privilégios, com a busca desenfreada por títulos e posições de
prestígio, pois são atitudes que revelam uma vida segundo a ‘palavra do mundo’.
Jesus
nos convida a uma opção de vida que manifeste o que ele mesmo é, tendo nos
deixado como testamento: um coração simples e humilde, capaz de amar e acolher
a todos em especial os excluídos, sem necessidade de retribuição e
reconhecimento público.
Não há meio termo, Jesus
é claro e exigente: quem quiser segui-lo deve acolher sua
proposta e consequentemente seus desafios. Como Igreja devemos estar dispostos
a testemunhar nossa fé por meio de atitudes que manifestem a verdadeira palavra
que é Caminho, Verdade e
Vida. [...]
A Palavra de Deus deste
domingo orienta, especialmente, os líderes de nossas Comunidades, a começar dos
Ministros Ordenados, bem como dos que lideram a Política e os Movimentos
Sociais. É profundamente oportuna em véspera de eleições. Não gosto de alguns
termos como: Poder, Função e Cargo!
Prefiro o que o Evangelho sugere, para aqueles que, de alguma forma, se propõem
a servir a Comunidade Religiosa, Política, Civil e Social: SERVIÇO!
Preocupam-me muitas de nossas atitudes que denigrem a imagem do outro para
esconder nossos próprios defeitos e erros. Quando não for possível apresentar
nossa capacidade de transformar o mundo por conta de nossas qualidades, não me
parece justo, mas diabólico, elencar os erros dos outros. A inveja é justamente
assim: sabendo que não chegaremos aos pés do outro, procuramos denegri-lo,
divulgar o que tem de erros, para reprimi-lo até nosso patamar, já que não
conseguiremos igualar-nos ou sermos melhores do que ele. Outra atitude
diabólica é querer utilizar-se seja da religiosidade, da emotividade e da
ignorância dos mais simples para adquirir prestígio, poder, cargos através de
votos. Jamais mentiras, promessas enganosas, calúnias e agressões verbais que
desrespeitem a dignidade de qualquer pessoa, principalmente as que se propõem a
servir desinteressadamente um Povo, deveriam
determinar o resultado de qualquer eleição, não a Cargos e Funções,
mas ao Serviço revestido de sincera Humildade,
uma das maiores virtudes de qualquer Pessoa Pública!
Também penso ser cruel e diabólico “obrigar” ameaçadoramente nossos
fiéis a votarem em candidatos que venham a favorecer apenas nossas Comunidades.
Quem não pensa no BEM COMUM, sem distinção de
pessoas, grupos, religião, condição social, intelectual e partidária
não pode querer merecer nosso VOTO! Principalmente quem chega ao topo
da infidelidade das próprias convicções religiosas, só para atrair votos.
Pessoas que não são fiéis nas pequenas coisas, também não serão fiéis nas
maiores. Portanto não merecem ser eleitas para representar-nos e defender os
direitos de nossa cidadania e dignidade. Não esqueçamos que precisamos de
oportunidades e não de esmolas. Também não esqueçamos que frequentemente os que
chegam a determinado poder, função ou cargo eclesial, político e social só
são fortes diante dos fracos, mas tornam-se fracos
diante dos fortes. Fortes são aqueles que ouvem a
Palavra de Deus e a põe em prática, como pedagogicamente
aprendemos neste domingo. [...]
Os ‘ímpios’ descritos pelo autor da
primeira leitura são que, além de não aderirem aos valores de Deus, ainda
zombam dos costumes e dos valores religiosos, por considerarem essas práticas
religiosas inadequadas para os dias de hoje, ou seja, não compatíveis com a
modernidade. Os justos, com sua prática de vida, acabam por ser uma espécie de
empecilho aos ímpios que se sentem continuamente questionados. Estes reagem,
atacando os justos e colocam Deus a prova para ver até onde ele permite o
sofrimento dos que o temem.
O Livro da Sabedoria nos oferece uma
palavra de ânimo, muito oportuna para nossos dias, pois todo justo será
recompensado e sua vida experimentará a plena e definitiva vida que Deus
reserva para aqueles que escutam suas palavras, aceitam seus desafios, trilham
seus caminhos e se comprometem com a construção de um mundo mais fraterno,
lutando pela justiça e pela paz.
Quem optar viver segundo a ‘palavra de Deus’
não terá facilidades, nem viverá em um romantismo mágico pelo qual tudo acabará
em alegrias e grandes realizações. Estará, porém, sujeito a críticas, a
perseguições, a incompreensões e até ao próprio fracasso. Entretanto não serão
as situações contrárias que farão com que desanimemos na prática da justiça.
O texto que nos é proposto na carta
a São Tiago leva o cristão a fazer uma sincera análise sobre a origem das
discórdias que destroem a verdadeira vida das comunidades cristãs. O autor
exorta a comunidade para que não perca os valores cristãos autênticos e coloque
em prática a palavra de Deus, que se encontra, de
maneira privilegiada, em Jesus Cristo,
fazendo de suas vidas um dom de amor aos irmãos, traduzindo em gestos concretos
de partilha, serviço, solidariedade e fraternidade.
Vigiemos para que nosso coração não
esteja ocupado por ambições, invejas, orgulhos, competições, egoísmos que nada
mais criam que divisões e nos impedem de entrar na vida plena. [...]
Falamos muito em “fraternidade presbiteral”.
Lamentavelmente é pura hipocrisia
a relação entre nós, porque é exatamente a descrita no parágrafo acima. Temos
tanto medo uns dos outros, que nos evitamos. Alguns ainda se encorajam de se
dirigirem aos colegas, quando necessitam de algo, ou quando não tem jeito mesmo
de evitar encontros mais forçados do que espontâneos. Ressaltamos, geralmente,
o que existe de negativo nos outros e procuramos esconder o que têm de bom. Por
que será assim? Pergunto-me sempre, como é possível alguém ser portador do
perdão, da misericórdia e da absolvição dos pecados de uma Comunidade inteira,
mas totalmente incapaz de perdoar o próprio irmão de ministério. Evitar um
irmão de ministério é tão feio e diabólico como se evitam os adversários
políticos em época de concorrência a cargos públicos, onde muitos
inescrupulosamente pisam sobre os outros. O fim último é chegar ao poder e ao
prestígio a todo custo, mesmo que se deixem alguns flagelados pelo caminho.
Imagino o que Cristo, principalmente através de São Tiago não cochicha às
consciências de tais pessoas, revestidas do sagrado Sacramento da Ordem, ou instituídas
em Serviços Públicos. [...]
Jesus
teve dificuldade de fazer com que entendessem. Ainda hoje podemos ter essa
mesma dificuldade. Não temos tempo para saborear e entender a palavra
de Deus, pois nossas preocupações podem estar
sobre outras realidades. Será que não ficamos falando tantas coisas que não são
tão importantes ou fundamentais? Por isso, a dinâmica de Jesus
é muito importante: sentou-se, chamou mais perto, tomou a criança como
exemplo... Sempre vai educando os discípulos sobre que tipo de messias é e como
quer que sejam os que se dispõem a segui-lo. O evangelho é um contínuo
ensinamento, mas a cegueira dos discípulos persiste. Quem quiser segui-lo deve
dispor-se a servir.
Assim como no tempo de Jesus,
o interesse de saber quem é maior toma conta de muitas rodas de conversas e
orienta as ações de muitas pessoas hoje, determinando as prioridades e os
investimentos. Neste dia, cabe uma pergunta: em que estamos investindo nosso
tempo, nossas energias, nosso dinheiro, enfim, nossa própria vida? Em
realidades passageiras que, aparentemente, podem ser importantes, pois vivemos
em uma sociedade capitalista e imediatista, ou em ações que conscientemente
constroem pessoas, famílias e um mundo que proporcione o prazer de uma vida
integral? Jesus nos convida a
abandonarmos nossos sonhos egoístas e orientarmos nosso agir para a essência de
sua proposta.
No Reino de Deus não há uma escala
hierarquizada de pessoas que possam ser umas mais importantes que as outras,
mas há uma proposta de amor que se realiza no próximo. Algo difícil para nossos
dias. O próximo, neste caso, está simbolizado pela criança que é sinal dos que
são os últimos. Assim, a proposta de Cristo
deve começar pelos que são últimos: os sem direitos, os fracos, os pobres, os
indefesos, os facilmente manipulados, tal como eram vistas as crianças em seu
tempo. O maior é
aquele que ama e serve” (Cf. Roteiros
Homiléticos da CNBB n.23, pp.26-33).
Pouco tempo antes de sua páscoa,
tive o privilégio de conversar longamente com o Pe. Léo da Canção Nova,
enquanto aguardávamos nosso voo atrasado no aeroporto de Navegantes (SC) com
destino a São Paulo. Havia muita neblina. Entre as tantas coisas profundas que
ouvi do Pe. Léo, lembro a propósito da Palavra de Deus deste
domingo, duas: “Sempre
tive muita pena dos pobres. Depois que fiquei doente e percebi que não era de
nada, passei a ter pena dos ricos. Os pobres, quando chamados à eternidade, não
terão praticamente nada a deixar para trás. Mas coitados dos ricos, que
acumulam coisas desnecessárias. Quando esses forem chamados a deixarem este
mundo, terão de deixar tudo que acumularam para trás. De quantos projetos
precisei abrir mão, desde que soube que tenho pouco tempo de vida. É doloroso
demais...” “O
cristão autêntico é como um bambu: vem ventos fortes que o levam ao chão e ele
se reergue... vem as chuvas fortes, e ele se refresca, porque não teme as
tempestades... vem os relâmpagos e ele os absorve e enterra... o bambu, como o
cristão, por mais que seja surrado, nunca desiste de crescer para o alto!”
Não
desanimemos jamais. Olhemos para o alto e façamos dele nosso destino, nosso Fim
Último, porque lá está a esperança de nosso futuro e de nossa felicidade
verdadeira!
Sejam
todos muito abençoados. Com ternura e gratidão, o abraço sempre fiel e amigo,
Padre Gilberto Kasper
(Ler Sb
2,12.17-20; Sl 53(54); Tg 3,16-4,3 e Mc 9,30-37)