Pe. Gilberto Kasper
Mestre
em Teologia Moral, Especialista em Bioética, Ética e Cidadania, Professor
Universitário, Assistente Eclesiástico do Centro do Professorado Católico,
Reitor da Igreja Santo Antônio, Pão dos Pobres da Arquidiocese de Ribeirão
Preto e Jornalista.
De
fato a história universal registra, independente da cultura e do lugar, que
todos os povos tinham e tem religião. E, mais ainda, a religião está na base de
sua vida. Quem a recalca, segundo pesquisa de Georg Siegmund, risca
anormalidade. É o que já Santo Agostinho sentenciara: “Fizestes-nos para Vós,
Senhor, e nosso coração está irrequieto enquanto não repousar em Vós”.
Depois da implosão da União
Soviética, cujo ateísmo militante proibia qualquer expressão religiosa,
verificou-se o estranho fenômeno de jovens, que antes não tinham a menor ideia
de religião, acorrerem aos mananciais do Evangelho. Reconhecem-se subitamente
“agarrados por Deus”. São pessoas que cresceram num ambiente asséptico de todo
germe da religião. De repente, porém, tiveram a certeza absoluta a existência
de Deus, não como uma teoria, mas como Alguém que os atinge de perto.
O ser humano tem indubitavelmente
uma dimensão transcendente. Desde os tempos mais remotos tentou vincular-se com
a divindade. Crê em Deus e o acolhe, no dizer de Santo Agostinho, como mais
íntimo que ele mesmo. Reconhece-o como seu Supremo Bem, colocando-o na origem e
no destino de sua vida.
O cristianismo veio reforçar essa
tendência mostrando-a como uma ação divina em nós. E, mais ainda, anuncia que o
próprio Deus, na pessoa de seu filho, se fez homem. Veio habitar entre nós.
Conhecemo-lo com o nome de Jesus Cristo. Essa encarnação de Deus elevou a
dignidade humana ao mais alto grau, coroado com um Deus ainda mais excelso de
filhos de Deus pelo batismo. Deus se solidarizou conosco. Jesus garante que
tudo o que se fizer ao menor de seus irmãos é feito a Ele, o que equivale a
dizer que dele receberá a recompensa. Falamos de uma ordem sobrenatural, que se
situa no campo da graça. Todos nós participamos da plenitude da graça e da
verdade de Cristo.
Temos, pois, a certeza de que o ser
humano se compõe de matéria – foi tirado do barro e, por isso, como se costuma
dizer, é de carne e osso – e de espírito – recebeu o sopro divino. É um
organismo vivo pensante. Sintetiza, em seu ser humano, os três degraus da vida:
vegetativa, sensitiva e intelectiva, acrescidos da graça divina. Desenvolve por
isso quatro atividades: uma orgânica, assimilando alimentos, outra psicológica,
expressando sentimentos, a terceira espiritual, pelo conhecimento intelectivo e
pela vontade livre, a quarta sobrenatural, pelas virtudes infusas da fé, da
esperança e da caridade.
Soa
ainda hoje a exortação, que vem desde Tertuliano: “Cristão, reconhece tua
dignidade!” Não menos incisivo é o imperativo socrático: “Homem, conhece-te a
ti mesmo”. De fato, não basta existir. Não se consegue viver plenamente sem
reconhecer o que nos torna humanos. O ser humano é, sim, matéria, mas matéria
orgânica pensante e amante. Ele é capaz de Deus e de acolher o universo,
conhecendo-o. Mas também se sente conhecido e amado e assumido por Deus e por
muitos irmãos.