Meus queridos Amigos e Irmãos na Fé!
A liturgia de hoje revela-nos um
Deus que ama e cujo amor nos desafia a ultrapassar a escravidão da lei e das
nossas próprias fragilidades para chegar à vida nova, à ressurreição.
Na reta final da caminhada em
direção à Páscoa, o domingo de hoje se
constitui num forte apelo à conversão. A conversão do coração significa mudança de orientação de vida. Ora, exige-se
mudança radical quando a pessoa se encontra desviada do caminho do amor de Deus
e aos irmãos, centrada em si mesma e “com
as mãos repletas de pedras”.
A Quaresma é um tempo para cuidar de nosso coração, libertando-o daquilo que
o destrói, da agressividade do julgamento e do rancor. E se fizermos parte do
rol agraciado daqueles que necessitam da misericórdia, por não pertencermos ao
grupo oficial dos ‘”justos”,
resta-nos a bem-aventurança da misericórdia do Cristo em seu olhar de ternura e em sua
voz firme e suave que diz: “Eu também não te condeno. Vai, e de agora em diante não peques
mais”. Permitamos que a misericórdia toque nossos
corações!
Com o encontro de Jesus com a mulher
pecadora, somos convidados a acolher em nossa vida o amor e a misericórdia de
Deus. Celebramos a eucaristia dispostos a transformar o orgulho em compaixão
para com aqueles que atendem ao apelo à conversão. Se não for assim, nossas
celebrações não passam de disfarce, hipocrisia e enganação. Isso deve irritar
profundamente o coração misericordioso de Deus.
As leituras nos revelam a ternura e
a compaixão de Deus para conosco: realiza coisas novas para o povo e supera o
legalismo frio e contraditório. A justiça de Deus, que nos vem por meio da fé
em Cristo, é amor, misericórdia e perdão. Quantas vezes enxotamos pessoas que
não consideramos dignas de celebrar conosco a Eucaristia? Ministros Ordenados
repreendendo aqueles que ainda vêm às nossas celebrações... Agentes de
Pastoral, os que se acham “certinhos” não raras vezes excluem
pessoas que segundo seu juízo não correspondem às exigências legalistas de
nossa Pastoral? Quem, a não ser o próprio Cristo é digno?
Sempre é tempo de deixar o passado e
lançar-se para frente com otimismo, em busca de vida nova. Quem não tiver
pecado seja o primeiro a julgar e atirar uma pedra. Quando aceitamos Cristo Ressuscitado, tudo se transforma para
melhor em nossa vida.
Em cada Quaresma ressoa o apelo “corações ao alto”, convidando-nos a olhar para o futuro e a ir além de nós mesmos,
na busca do Homem Novo. Olhar para frente requer
mudança de atitudes no sentido de esquecer os rancores do passado, os pecados,
as tristezas que imobilizam a vida, daquilo que no presente é causa de queda,
de fracasso, de frustração. Tenho uma grande amiga que costuma dizer: “O passado já não me
pertence mais. É preciso olhar para frente!” Não
devemos relativizar
as coisas, mas construir oportunidades novas, ajudando
as pessoas a reerguerem-se depois da queda. Muitas vezes acontece o contrário:
quando as pessoas ficam deprimidas por causa dos pecados, costumamos pisar
nelas e afundá-las ainda mais na lama das consequências de seus pecados. Gosto
sempre de pensar que: Perdoar não é esquecer,
mas lembrar sem rancor! Sempre há um caminho longo
pela frente, sempre podemos mudar o curso da nossa vida, de nossa história,
basta que haja o desejo profundo de mudança no interior de nosso coração.
Contudo, a conversão é um caminho em construção. Nem sempre encontramos o apoio para a
construção de uma nova vida. Principalmente no mundo clerical e de nossas
Comunidades, costumamos colar adesivos na testa das pessoas. Temos ainda muitas
dificuldades de perdoar de verdade. Como fica difícil à pessoa que busca a sincera conversão, mudar de vida, quando há tantas pessoas que se rogam o direito
de marcá-las negativamente, até
mesmo espalhando mundo a fora os erros do passado de quem tanto deseja mudar
seu presente e futuro. Um dos hábitos que abomino entre nós, os ministros do Perdão, é falar mal daqueles cujos
pecados vieram à tona. Quase sempre, aqueles que jogam as pedras, têm pecados
semelhantes ou até mais graves. Escondem-nos (seus pecados) atrás de quem
foi descoberto e isso é terrível e diabólico.
Olhando para a nossa sociedade,
averiguamos que o fundamentalismo e a intransigência, muitas vezes, falam mais
alto do que o amor: mata-se, oprime-se, escraviza-se em nome de Deus;
desacredita-se, calunia-se, em razão de preconceitos; marginaliza-se em nome da
moral e dos bons costumes. O que fazer para transformar a realidade em que
estamos mergulhados?
Jesus, face à atitude condenatória
dos fariseus e escribas, denuncia a lógica dos que se julgam “perfeitos e autossuficientes”. O que se
considera justo não sabe perdoar. Quantas pessoas conhecemos, que são assim. Quantas
experiências já se fizeram, especialmente entre quem busca cargos, funções,
prestígios e poderes, pisando sobre a lama dos que algum dia erraram? “Devemos perdoar como pecadores, não como
justos”. Todos temos alguma pedra na mão para jogar nos outros. Estamos
todos a caminho e, enquanto caminheiros, somos imperfeitos e limitados. É preciso
reconhecer, com humildade e simplicidade, que necessitamos todos da ajuda do
amor e da misericórdia de Deus para chegar à vida do Homem Novo. O mais importante não é acusar, mas que o amor seja mais forte
do que o nosso pecado.
A Eucaristia é sacramento de
unidade, de comunhão. Substituamos as pedras por gestos de partilha e de
perdão. A Eucaristia é sacramento da misericórdia e do perdão divinos. Não a
celebramos porque somos melhores do que os outros, e nem somos perdoados porque
merecemos, mas porque Deus é perdão gratuito.
Que nossos exercícios espirituais de
penitência quaresmal se transformem em frutos saborosos diante de Deus e de
nossa Igreja. Não apenas o resultado dos mesmos, que será a Coleta da Solidariedade a ser
entregue com senso de justiça no próximo domingo, mas nossa disposição e nosso
esforço para perdoar àqueles que ainda esperam por nosso perdão. Nunca
esqueçamos que o próprio Cristo nos adverte: “Não são sacrifícios, mas
misericórdia que agradam o coração do meu Pai”!
Desejando-lhes muitas
bênçãos, com ternura e gratidão, meu abraço amigo e fiel,
Pe. Gilberto Kasper
(Ler Is
43,16-21; Sl 125(126); Fl 3,8-14 e Jo 8,1-11)
Fontes: Liturgia Diária da Paulus
de Abril de 2019, pp. 31-34 e Roteiros Homiléticos da CNBB da Quaresma (Abril de
2019), pp. 61-64.