Pe.
Gilberto Kasper*
Dedico, nesta edição, meu espaço aos
queridos leitores de nossos artigos ao Dr. Harley Edison Amaral Bicas,
Professor de Oftalmologia na USP de Ribeirão Preto e Coordenador eleito para a
Equipe de Nossa Senhora da Esperança, da qual sou o Conselheiro Espiritual.
O “Desabafo” do Dr. Harley vem de
encontro com os apelos do Ano da Fé e do Sínodo ocorrido há pouco, no Vaticano,
sobre a Nova Evangelização, conclamando os cristãos a remeterem com coerência a
todos seus interlocutores à Pessoa de Jesus Cristo, cuja fé recebemos como dom
gratuito em nosso Batismo. Nossa responsabilidade aumenta ainda mais, enquanto
ministros ordenados a levarem Jesus Cristo ao mundo e a todas as criaturas de
boa vontade.
Volto
da missa dominical. Mas dela não saí edificado; antes constrangido com a “nova”
pedagogia da Igreja, a de como se dirigir a Deus. Ensina-me o folheto dominical
que devo me dirigir a Deus não de uma forma “temente”, isto é, respeitosa e
reverente; mas com intimidade desabrida, tratando-o por “você”. O refrão de um
dos cantos, aliás, pareceu-me paradigmaticamente escandaloso: “você em mim, eu
em você”. Daqui a pouco agrega-se “e nóis tudo c’as mina, cara, numa boa,
brodis”.
Talvez não seja prudente atribuir isso à
Igreja, mas a alguns padrecos, ou freirinhas, não importa. Mas o tratamento
dado a Deus, “você”, é irrefletido, irreverente e desrespeitoso. O
surpreendente é que se o tenha permitido com a chancela de alguém maior,
“oficializando” um documento que serve de base ao culto de milhões de
católicos. Obviamente, duvido que esse padreco, ou essa freirinha, ousasse se
dirigir a uma autoridade, ainda que apenas o Prefeito fosse; ou ao Papa, ou ao
Bispo, ou a um sacerdote mais velho por essa forma “e aí cara, você me entende,
não é? Somos iguais na essência...” E nem isso se poderia dizer a Deus; entre
Criador e criatura, perfeição e corrupção (da qual um belo exemplo é dado...)
não há igualdade. A pura e simples educação social imprime o dever de tratar
pessoas mais velhas, ainda que de menor hierarquia por “Senhor” e nunca “você”!
De onde vem, pois, essa estranha pedagogia de que Deus deve, ou pode, ou “quer”
ser chamado de “você”?
Dir-se-á
que Deus é tão grande, que nem estará “aí” para a forma como se o chama. Que é
tão misericordioso que perdoará até àqueles que o ofendem injuriosamente e que,
portanto, esse “você” é o de menos. Mas há duas “pedagogias” norteando nossa
religião: uma “primária”, a do Deus do Antigo Testamento, ciumento e exigente; e
a “superior”, do Deus compassivo e amoroso que, todavia, não veio para ab-rogar
as escrituras, a Lei e os Profetas. E que também, parece, sempre foi
respeitosamente tratado, mesmo por seus “mais chegados”.
Afinal, como tratar Deus? É uno e trino. E, talvez,
por essa condição trinitária, tenha se desenvolvido a noção de referi-lo pela
segunda pessoa do plural, “vós”,
aliás cerimoniosa como exigem as convenções humanas. É verdade que no trato de
“Vossa Excelência”, atribui-se, frequentemente, a conjugação com a terceira
pessoa do singular mas, sempre, subentendendo-se, reverentemente, uma forma
implícita (ou explícita) de Senhor, Magnífico, Todo-Poderoso, não “você”
(embora corruptela de “Vossa Mercê”, por “vos-micê...). O que não deve ocorrer
é a “mistureba” da concordância verbal desses folhetins entre a segunda do
singular (tua, teu), a terceira do singular (Receba o Senhor...), ou a segunda
do plural (ó Pai, aceitai-nos...). Conviria, penso, uma normatização; caso
contrário professoras de Português contra-indicarão --- e com razão --- esses
roteiros das missas distribuídos aos fiéis, pelo menos por sua forma, como
nocivos à alfabetização...
Ó Pai, como é possível que se pense que (tu) sejas a inspiração desses padrecos, retire (o Senhor) deles essa missão ou
(vós) os iluminai. Isto vos pedimos para que (o Senhor) nos conceda tal graça a teu povo...
Amém.
Harley
Edison Amaral Bicas
*pe.kasper@gmail.com