Padre Gilberto Kasper é Mestre em Teologia Moral, Licenciado em Filosofia e Pedagogia, Especialista em Bioética, Ética e Cidadania, Professor Universitário, Docente no CEARP – Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto, Assistente Eclesiástico do Centro do Professorado Católico, Assessor da Pastoral da Comunicação, Pároco da Paróquia Santa Teresa D’ Ávila e Reitor da Igreja Santo Antônio, Pão dos Pobres da Arquidiocese de Ribeirão Preto e Jornalista. Contato: pe.kasper@gmail.com
Eu
estava com oito anos de idade. Estudava no Colégio Sagrado Coração de Jesus, na
Vila Santo Afonso de Novo Hamburgo (RS). Servia como coroinha na Paróquia
Sagrado Coração de Jesus, cuja Igreja Matriz fica situada em frente ao Colégio.
Os Jesuítas, aos finais de semana, colaboravam com o Pároco nas celebrações e
atividades pastorais. Iam de São Leopoldo, onde está o imenso Colégio Cristo
Rei, na época Casa de Formação dos Padres Jesuítas, hoje Centro de Espiritualidade
da Diocese de Novo Hamburgo.
O
Padre Ivo Müller fizera seu estágio pastoral como Diácono transitório, em nossa
Paróquia. Depois de ordenado Sacerdote foi celebrar uma de suas Primeiras
Missas em nossa Igreja Matriz. Nós, os Coroinhas, preparamos tudo com grande
zelo, para que a Primeira Missa do Néo-Sacerdote fosse solene!
As
Senhoras do Apostolado da Oração prepararam um jantar muito chique no Salão
Paroquial. A Irmã Neófita, hoje na feliz eternidade, era minha professora no
Segundo Ano do então Primário, hoje Ensino Fundamental I. Ela conhecia uma de
minhas habilidades em declamar poesias. Para homenagear o Padre Ivo Müller a
irmã pediu-me que decorasse uma das poesias do Padre Paulo Aripe de Alegrete
(RS). Foi um grande poeta e preservava a tradição gaúcha, como CTG – Centro de
Tradições Gaúchas. Suas poesias, em sua maioria, eram voltadas à linguagem
gauchesca. Uma delas chamava-se “Minha Primeira Missa”! Esta poesia contém
quarenta longos versos. Foi a escolhida para que eu a declamasse antes de servirem
o jantar ao Néo-Sacerdote no Salão Paroquial muito lindamente preparado.
Terminada
a Solene Primeira Missa do Padre Ivo, fomos ao Salão Paroquial. Eu, de família
muito humilde, jamais vira um Salão tão lindo e cheio de pessoas, prestes a
jantarem, manifestando assim sua gratidão por um Padre tão querido da
Comunidade. Padre Ivo Müller era acolhedor e tratava com especial dedicação
crianças, jovens e idosos. Todos o admiravam, eu inclusive.
Tão
logo Padre Ivo adentrou ao salão, depois de cumprimentado por todos, alguém
pediu silêncio. Já sentados às mesas, puseram-me sobre uma delas, bem no meio
do salão, diante da mesa do Néo-Sacerdote. Dona Generosa, a acordeonista de
nosso CTG, brindou-nos um belíssimo fundo musical e eu comecei a declamar
aquela longa poesia: “Minha Primeira Missa”, em homenagem ao Padre Ivo. Ficara
muitas horas ensaiando diante do espelho até chegar aquele dia. Minha
declamação foi perfeita. Principalmente as Senhoras do Apostolado, mas também o
Padre Ivo, permitiam lágrimas de grande emoção escorrem rostos abaixo. Alguns
se diziam arrepiados de tanto que gostaram da poesia, uma verdadeira prece de
gratidão de um Padre recém-ordenado.
Terminada
a homenagem, o Padre Ivo me segurou no colo e me cobriu de beijos e abraços. Eu
ainda muito pequeno, mais parecia um botijão de gás, ouvia os aplausos e
elogios de todos os lados, mas sentindo-me um tanto deslocado e envergonhado
por não ser aquele meu ambiente: era chique demais para alguém tão pobre e
simples como eu. Mesmo assim as Senhoras do Apostolado e o Padre Ivo insistiram
que eu me assentasse à mesa para jantar com eles. Resisti, mas me convenceram e
sentei-me próximo a um grupo de Senhoras ainda muito emocionadas.
Quando
já me haviam servido a salada, senti uma mão firme e pesada sobre meus
raquíticos ombros. Olhei para trás e vi a Irmã Neófita, vestida de hábito negro
olhando com um olhar repreensivo para mim. Falou com voz firme, embora em som
baixo: “Quem foi que te convidou para jantar? Teu serviço já acabou,
some daqui. Este lugar não é para ti”. Sem nada dizer, levantei-me e saí
correndo entre as mesas. Corri quatro quilômetros até chegar em casa, chorando,
sem nada dizer a ninguém. Por muitos anos senti dificuldade de aceitar qualquer
convite para jantar. Depois, com excelentes terapias superei o trauma, e
escrevo hoje para pedir aos meus leitores: jamais traumatizemos alguma criança.
Amemos as crianças e sua pureza sempre!