“Quem se eleva será humilhado e
Quem se humilha será elevado” (Lc 18,14b).
“Neste Trigésimo
Domingo do Tempo Comum, continuamos acompanhando Lucas, que nos fala sobre a oração. Hoje a insistência é
sobre ‘como
orar’.
A parábola do fariseu e do
publicano, a última das parábolas próprias de Lucas, marca a centralidade da
celebração e da pregação deste domingo. Certamente o merece, mas convém
procurar que a assembléia penetre no sentido da parábola e não fique na
superficialidade de dizer que o fariseu é mau e o publicano é bom.
Pode ser perigosa uma interpretação
mal feita: se justificaria o pecado e se desestimularia a observância dos
preceitos sagrados, que são importantes, mas não bastam. A justificação por
meio do reconhecimento do próprio pecado e pela fé no amor de Deus é o tema de
fundo desta parábola.
Tanto o fariseu quanto o cobrador de
impostos eram pessoas de fé. Também para nós, hoje, o problema não é tanto o
contraste entre fé e falta de fé, mas entre modos diversos de colocá-la em
prática. Ninguém tolera que uma pessoa religiosa viva de forma errada. Todos
sentimos simpatia por uma pessoa de bem, independentemente de sua religião.
A oração do publicano torna-se um
modelo não só de oração, mas também da atitude de quem reza. Nossa oração deve partir de uma atitude fundamental de humildade, reconhecendo que não podemos nos salvar a nós mesmos. E
igualmente isso que ouvimos na primeira leitura do Livro do Eclesiástico: a humildade é
indispensável para que a oração possa ‘atravessar as
nuvens’ e obter resultado. A oração do Salmo 33 se contrapõe aos soberbos que têm o coração
atribulado: o Senhor está perto de quem
tem o coração ferido’.
A salvação da pessoa humana somente
poderá vir de Cristo, o qual, embora sendo de natureza divina, humilhou-se a si
mesmo até a morte e morte de cruz, e, por isso, foi elevado na glória. O
cristão só se pode gloriar da cruz. Foi assim que São Paulo entendeu, bem expresso
no final de sua vida: ‘Cristo Jesus veio
ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o primeiro’ (1Tm 1,15). Quando era jovem fariseu, não teria dito palavras semelhantes,
porém depois ele se converteu e experimentou, em si mesmo, a obra poderosa do
Senhor que o libertou do mal, ou seja, de sua orgulhosa autossuficiência.
O centro de tudo é este: saber-se e
sentir-se pecador e fraco. O farisaísmo está hoje presente no mundo cristão
tanto no contexto individual quanto no comunitário. No contexto individual,
devemos confessar que, muitas vezes, educamos nossos cristãos no farisaísmo:
damos a eles as leis como norma fundamental de suas vidas. No contexto
comunitário, o farisaísmo se manifesta em grupos da Igreja que se crêem os
bons, os cumpridores, os fiéis. Estes rezam para que os que não pensam como
eles se convertam, porque estão errados! Onde está radicado o mal do
farisaísmo? Na nossa visão de Deus, a quem vemos como um comerciante que vende
o céu em troca de obras humanas. Esta parábola prepara muito bem a teologia paulina da justificação que Deus concede a quem não pode se justificar a si mesmo. Esta justificação se obtém
por meio da cruz de Cristo, e o Batismo é o seu instrumento.
Aproximar-se de Deus consiste em
abandonar o próprio egoísmo para encontrar a felicidade em Deus. Os santos
sempre se consideravam pecadores: quanto mais perto da luz se está, mais se
percebem as manchas do pecado em nós. Quando se toma consciência do pecado,
então, e somente então, aparece Deus com a promessa da salvação.
Deus salva os que não têm como se
salvar: todos nós. Cristo,
no evangelho, não louva a situação humana de pecado do publicano, nem sua
indigência moral, sua escassa prática religiosa. Louva, isto sim, seu arrependimento, sua humildade, seu não julgamento
dos demais. Jesus também não condena o fariseu por ser religioso, por levar uma
vida moral digna, por fazer jejum e dar o dízimo. Critica sua soberba e o julgamento que faz dos outros.
O Apóstolo Paulo frente aos que
querem se salvar sozinhos lembra: a lei escraviza. Paulo foi
o mestre em mostrar que o cristianismo não é a religião da lei. E a religião da liberdade em Cristo. Por isso, ele testemunha que seu êxito de vida não se deve a ter
sido um bom observante da lei mosaica, mas se deve ao fato de Cristo ter estado
ao seu lado e dado forças na missão. A salvação cristã vem pela fé em Cristo.
Não podemos nos salvar, porque não merecemos a salvação. Participar da vida de
Deus é graça, dom que recebe quem tem um
coração capaz de receber. De ninguém, jamais, pode-se tirar o direito de amar! Ninguém tem o direito
de não perdoar! Ninguém está acima de Deus para os outros julgar! Não há maior alegria
do que perdoar, nem maior felicidade do que acolher o perdão!
Recordemos algumas frases de três santos católicos e de um grande
líder indiano: ‘Muito mal suplica a Deus
quem nega aos outros o que pede para si’ (São
Pedro Crisólogo). ‘Muitos vão à Igreja e recitam milhares de fórmulas de oração, mas
quando saem já não sabem o que fizeram; trabalharam com os lábios, mas não
compreenderam o que diziam. Então tu que não entendes a tua própria oração,
como queres que Deus te ouça?’ (São João Crisóstomo). ‘Devo reduzir-me a zero.
Enquanto um homem não se considera espontaneamente o último, não há para ele
salvação’ (Mahatma Gandhi). ‘Só se sobe quando se
desce’ (São Francisco de
Sales).
O Dia Nacional da Juventude,
que, desde 1985, acontece todos os anos no último domingo de outubro, neste ano
foi transferido para o próximo domingo, dia 3 de novembro. A temática de ‘Juventude e Missão’ deseja
ajudar a sociedade a olhar para a juventude, refletir e acompanhar suas
propostas que visam à transformação da realidade de morte em vida” (cf. Roteiros
Homiléticos do Tempo Comum II de 2013 da CNBB, pp. 73-79).
Oxalá nossas Comunidades, nossos
Líderes, especialmente nós, os clérigos, nos convertamos a partir da Palavra de Deus deste Trigésimo Domingo do Tempo Comum! Saibamos ouvir mais, julgar menos e amar sempre, quem quer que seja. Como é feio ouvirmos “fofocas”, falarmos mal
de quem não se encontra presente, logo sem condições de se defender. Pior ainda
é escondermos nossos erros, limites e pecados atrás das feridas dos outros,
aqueles que geralmente excluímos e julgamos perigosos diante de nossos “cargos,
funções, poder e prestígios”. Catalogamos tantas vezes, pessoas que em algum
momento de suas vidas caíram, erraram e foram surradas pela vida. Mesmo depois
de reerguidos, fazemos questão de apontar mais as cicatrizes do que do o esforço que as pessoas de
nossas relações empreendem por serem melhores hoje do que ontem. Precisamos
mudar nossa relação com Deus, começando na relação mais humana, justa e amorosa
com as pessoas com quem convivemos.
Num desses mutirões de confissões em
preparação ao Natal, a fila de um dos dez padres se alongava. O Bispo chegou e
perguntou as pessoas que esperavam naquela longa fila, porque não procuravam os
demais padres já desocupados. A resposta que o Prelado ouviu foi a seguinte: “Estamos nesta fila, porque este Padre sabe ouvir e não tem pressa!”
Sejam todos muito abençoados. Com
ternura e gratidão, meu abraço amigo,
Pe. Gilberto Kasper
(Ler
Eclo 35,15-17.20-22; Sl 33(34); 2Tm 4,6-8.16-18 e Lc 18,9-14).