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terça-feira, 25 de outubro de 2016

COMENTANDO A PALAVRA DE DEUS - TRIGÉSIMO-PRIMEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM

Meus queridos Amigos e Irmãos na Fé!
            O amor criador de Deus não é um feito do passado, mas uma força atual que continua a agir sobre todas as realidades criadas, mantendo-as na existência. A vida da criação é uma prova desse amor de Deus. Esse amor ainda revela-se misericordioso: não é um amor ciumento ou controlador, mas um amor que está sempre pronto a receber de volta quem se afastou. Já o sabemos, mas é preciso relembrar: a misericórdia é a única esperança de salvação para o ser humano caído e pecador. Por isso mesmo, a única possibilidade de as pessoas romperem o círculo vicioso de violência, injustiça, desconfiança, receios mútuos, ódio e de toda exploração e opressão.
            Deus é amigo e defensor de toda obra de suas mãos. O discípulo que agrada a Jesus é o que sabe partilhar e colocar o poder a serviço da vida. A segunda vinda do Senhor não deve causar transtornos nem pode nos acomodar.
            Alguém poderia ler superficialmente a primeira leitura e entender que não precisamos levar a vida tão a sério assim, porque no final Deus sempre agirá com misericórdia. Não é assim! A misericórdia de Deus não pode ser pretexto para justificar nossos pecados e injustiças. A misericórdia é a certeza de que sempre é tempo de voltar a Deus. Ninguém merece o amor de ninguém, ainda que todos sejam muito dignos de ser amados. Por isso, reduzir o amor a amar os que nos amam é uma maneira de mercantilizar o amor e fazê-lo impossível.
            Ao olharmos para Zaqueu, que era um caso perdido para a sociedade religiosa da época, nos damos conta de que ninguém pode se excluir da misericórdia de Deus. Podemos mudar, descobrir um dia que alguém nos ama. Só quando tocados pelo amor de Deus é que faremos com que nossa vida se conforme aos valores do Evangelho. Lembremos ainda que a salvação cristã implica consequências sociais e econômicas. Zaqueu certamente deixou seu emprego e perdeu o dinheiro acumulado. Encontrou, no entanto, a justiça e o amor em Cristo, realização humana e salvação eterna. Zaqueu não conseguia ver Jesus, porque era de baixa estatura. Usou, porém, os meios disponíveis: subiu: subiu numa árvore para conseguir o que queria. Nós também devemos ir ao encontro, subir mais alto, correr à frente da multidão para nos encontrarmos como Senhor.
 Cabe a pergunta: se Cristo quisesse hoje ficar em nossa casa, o que teríamos que mudar para que com Ele entrasse a salvação em nossa vida? Zaqueu logo percebeu o que lhe faltava. A nós, que nos falta para receber a salvação? Se pensamos que não temos nada a mudar, cuidado! Podemos estar com a mesma atitude do fariseu, rezando no Templo. Santo Agostinho lembra que, como se tratava de Zaqueu, o chefe dos publicanos e grande pecador público, aquela multidão, que se acreditava salva por estar com Jesus e queria impedi-lo de entrar na casa de um pecador, fazia o mesmo que reprovar o médico por entrar na casa do enfermo. De que te surpreendes, enfermo? Chama também tu a Jesus, não te creias são. O enfermo que recebe o médico é um enfermo com esperança; mas já perdeu a esperança quem dispensa aquele que lhe pode curar.
            Paulo pede a Deus por nós, para que Deus torne ativa nossa fé. Quando vivemos a fé que temos, Jesus Cristo e glorificado em nós e nós nele. Não nos cabe a preocupação sobre o como e o quando da segunda vinda de Cristo. É certo que acontecerá, mas, mais importante do que saber a data é viver na firmeza e na constância do Evangelho.
            Neste dia da Juventude, lembremos nossos jovens, que são nova esperança na missão e, a exemplo de Zaqueu, buscam conhecer Jesus. Cristo entre em nossa casa, toque nosso coração e nos ensine a partilhar nossos dons e bens com os necessitados.
Sejam todos muito abençoados. Com ternura e gratidão, meu abraço amigo,

Pe. Gilberto Kasper

(Ler Sb 11,22-12,2; Sl 144 (145); 2Ts 1,11-2,2 e Lc 19,1-10)

Fontes: Liturgia Diária da Paulus de Outubro de 2016, pp. 88-90 e Roteiros Homiléticos da CNBB do Tempo Comum II (Outubro de 2016), pp. 57-62.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

COMENTANDO A PALAVRA DE DEUS - TRIGÉSIMO DOMINGO DO TEMPO COMUM

DIA MUNDIAL DAS MISSÕES
Meus queridos Amigos e Irmãos na Fé!
“Quem se eleva será humilhado e
Quem se humilha será elevado” (Lc 18,14b).

            Neste Trigésimo Domingo do Tempo Comum, continuamos acompanhando Lucas, que nos fala sobre a oração. Hoje a insistência é sobre como orar.
            É o Dia Mundial das Missões e a Campanha Missionária deste ano tem como tema: “Cuidar da casa comum é nossa missão” e o lema: “Deus viu que tudo era muito bom”.
            A parábola do fariseu e do publicano, a última das parábolas próprias de Lucas, marca a centralidade da celebração e da pregação deste domingo. Certamente o merece, mas convém procurar que a assembléia penetre no sentido da parábola e não fique na superficialidade de dizer que o fariseu é mau e o publicano é bom.
            Pode ser perigosa uma interpretação mal feita: se justificaria o pecado e se desestimularia a observância dos preceitos sagrados, que são importantes, mas não bastam. A justificação por meio do reconhecimento do próprio pecado e pela fé no amor de Deus é o tema de fundo desta parábola.
            Tanto o fariseu quanto o cobrador de impostos eram pessoas de fé. Também para nós, hoje, o problema não é tanto o contraste entre fé e falta de fé, mas entre modos diversos de colocá-la em prática. Ninguém tolera que uma pessoa religiosa viva de forma errada. Todos sentimos simpatia por uma pessoa de bem, independentemente de sua religião.
            A oração do publicano torna-se um modelo não só de oração, mas também da atitude de quem reza. Nossa oração deve partir de uma atitude fundamental de humildade, reconhecendo que não podemos nos salvar a nós mesmos. E igualmente isso que ouvimos na primeira leitura do Livro do Eclesiástico: a humildade é indispensável para que a oração possa atravessar as nuvens e obter resultado. A oração do Salmo 33 se contrapõe aos soberbos que têm o coração atribulado: o Senhor está perto de quem tem o coração ferido.
            A salvação da pessoa humana somente poderá vir de Cristo, o qual, embora sendo de natureza divina, humilhou-se a si mesmo até a morte e morte de cruz, e, por isso, foi elevado na glória. O cristão só se pode gloriar da cruz. Foi assim que São Paulo entendeu bem expresso no final de sua vida: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o primeiro (1Tm 1,15). Quando era jovem fariseu, não teria dito palavras semelhantes, porém depois ele se converteu e experimentou, em si mesmo, a obra poderosa do Senhor que o libertou do mal, ou seja, de sua orgulhosa autossuficiência.
            O centro de tudo é este: saber-se e sentir-se pecador e fraco. O farisaísmo está hoje presente no mundo cristão tanto no contexto individual quanto no comunitário. No contexto individual, devemos confessar que, muitas vezes, educamos nossos cristãos no farisaísmo: damos a eles as leis como norma fundamental de suas vidas. No contexto comunitário, o farisaísmo se manifesta em grupos da Igreja que se crêem os bons, os cumpridores, os fiéis. Estes rezam para que os que não pensam como eles se convertam, porque estão errados! Onde está radicado o mal do farisaísmo? Na nossa visão de Deus, a quem vemos como um comerciante que vende o céu em troca de obras humanas. Esta parábola prepara muito bem a teologia paulina da justificação que Deus concede a quem não pode se justificar a si mesmo. Esta justificação se obtém por meio da cruz de Cristo, e o Batismo é o seu instrumento.
            Aproximar-se de Deus consiste em abandonar o próprio egoísmo para encontrar a felicidade em Deus. Os santos sempre se consideravam pecadores: quanto mais perto da luz se está, mais se percebem as manchas do pecado em nós. Quando se toma consciência do pecado, então, e somente então, aparece Deus com a promessa da salvação.
            Deus salva os que não têm como se salvar: todos nós. Cristo, no evangelho, não louva a situação humana de pecado do publicano, nem sua indigência moral, sua escassa prática religiosa. Louva, isto sim, seu arrependimento, sua humildade, seu não julgamento dos demais. Jesus também não condena o fariseu por ser religioso, por levar uma vida moral digna, por fazer jejum e dar o dízimo. Critica sua soberba e o julgamento que faz dos outros.
            Em 2007, o Santuário Nacional de Aparecida, sediou a 5ª Conferência do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, debatendo, como tema central a Missão, sob o lema: “Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que n’Ele nossos povos tenham vida.” Marcado pelas palavras “missão” e “missionários”, o texto base resultante dessa conferência (presidido pelo Papa Francisco, o então Dom Jorge Mario Cardeal Bergoglio) constitui um grande entusiasmo para impulsionar a forma como nossa Igreja, na América Latina e no Caribe, propõe e incentiva a missão.
            E é, finalmente, o Dia da Coleta Mundial para as Missões. Distribuímos os envelopes, que deverão ser devolvidos neste domingo, contendo a partilha de nossa pobreza, em favor de nossos missionários e missionárias, dos quais não poucos passam grandes dificuldades em seu dia-a-dia, anunciando o Reino de Deus e fazendo conhecido Jesus a milhões de pessoas, muitas vezes passando fome. Enquanto em Ribeirão Preto (SP) usufruímos de mais de 200 Missas Dominicais, semanalmente, em lugares de missão, como na Amazônia, nossos irmãos passam anos sem celebrarem a Eucaristia. Um de nossos Padres, ao chegar a uma Comunidade Ribeirinha na Prelazia de Itaquatiara, na Amazônia, no início do Projeto Missionário de nossa Arquidiocese, leu uma faixa com os seguintes dizeres: “Seja bem-vindo Padre. Faz cinco anos que não vemos um!”.
            Ao distribuir os envelopes à minha Comunidade de Fé, Oração e Amor, sugeri, que durante este Mês Missionário, abríssemos mão de alguma guloseima, coisas supérfluas ou até mesmo de algum alimento ou vestuário secundários e colocássemos o resultado de tal renúncia como oferta generosa em favor de nossos missionários. Que ninguém: nem Padres e nem Conselhos Econômicos deixem de enviar à Cúria toda a coleta arrecadada neste Dia Mundial das Missões em todas as celebrações, e também fora delas. Nossa oração exige isso de nós: honestidade, justiça, transparência e generosidade. Só assim nosso amor terá cheiro de Deus. Quem retiver um único centavo, mesmo tendo rezado direitinho, cheirará a mofo, bolor e corrupção. Não sejamos, por favor, “corruptos eclesiásticos e pastorais”. Como exercer nossa missão profética de formar consciência crítica de justiça, de ética e de amor ao próximo, se não formos diferentes de tantos de nossos governantes (a minoria não), que tratam nosso povo, de um lado, como “galinhas” com as tais bolsas daqui e dali, mas de outro lado, tirando-lhes as mesmas migalhas da boca, com o vergonhoso desvio de verbas destinadas à saúde, saneamento básico, educação, moradia digna e oportunidades de trabalho justamente remunerado? Que Deus estampado no rosto de nossos missionários não se decepcione conosco!
Sejam todos muito abençoados. Com ternura e gratidão, meu abraço amigo,

Pe. Gilberto Kasper

(Ler Eclo 35,15-17.20-22; Sl 33(34); 2Tm 4,6-8.16-18 e Lc 18,9-14)

Fontes: Liturgia Diária da Paulus de Outubro de 2016, pp. 71-74 e Roteiros Homiléticos da CNBB do Tempo Comum II (Outubro de 2016), pp. 50-56

O SAL E O SOL!

Pe. Gilberto Kasper é Mestre em Teologia Moral, Licenciado em Filosofia e Pedagogia, Especialista em Bioética, Ética e Cidadania, Professor Universitário, Docente na Associação Faculdade de Ribeirão Preto do Grupo Educacional da UNIESP, Assistente Eclesiástico do Centro do Professorado Católico, Assessor da Pastoral da Comunicação e Reitor da Igreja Santo Antônio, Pão dos Pobres da Arquidiocese de Ribeirão Preto e Jornalista. Contato: pe.kasper@gmail.com

Certa vez ouvi dizer que o melhor tempero para um bom almoço é a fome; mas os temperos, os aromas, condimentos e um salzinho ajudam bem. Temperos, como o sal só na medida certa. O mesmo para o sol que aquece, mas queima!

            Ambientes com pouca luz, nos quais é difícil a entrada dos raios de sol, a umidade deixa uma impressão de falência, de apodrecimento e até de morte. Sem a luz do sol até as pessoas parecem desbotar... sal e sol dão o tom e o sabor de nossa vida.

            Em nossos dias há uma questão que se impõe para todos nós e que nos pergunta pelas razões de nosso viver. Encontramos pessoas que “desgostaram”, perderam o gosto por viver; outras vivem uma vida “cinza”, sem ânimo nem alegria, desencantados, decepcionados, amedrontados e até sem esperança. Para estes parece que o sol não brilha!

            Escutamos Jesus nos dizer que somos o “sal da terra”, a “luz do mundo”! É nossa missão iluminar, dar sentido, sabor, alimentar a esperança e fazer brilhar a luz da fé que estimula a caridade e vive no amor. A nossa missão é temperar o mundo com sabedoria, isto é, ser o sal que na medida certa equilibra, acolhe, estimula e incentiva aos irmãos e irmãs continuar lutando para construir a sociedade justa e fraterna. É preciso ser luz, ser sol, que aquece e ilumina gratuitamente e com alegria incentiva os corações na prática do bem e da justiça por meio da vivência da verdade e da caridade.

            Sal e sol na dose correta fazem bem para o corpo e para a alma. Sal e sol fazem bem para a sociedade que precisa de temperos novos para curar a chaga da violência, da corrupção e da impunidade. Sal e sol para incentivar e iluminar as famílias a assumir seu papel fundamental na educação dos filhos e na formação de pessoas de bem para levar adiante a construção de um mundo no qual as pessoas se posicionam como irmãos, não como inimigos; um mundo no qual não se mata em nome de religião nem se mata por ideologia; um mundo no qual a política é cuidada por servidores do bem e não por larápios do dinheiro público; um mundo no qual o sol é bem vindo sempre e sua luz generosa ilumina nossa vida, nossa sociedade, aquece nosso coração e nos encoraja a viver as virtudes ensinadas por Jesus Cristo no seu Evangelho.

            Sal e sol, sabedoria e luz nos desafiam a vencer a preguiça e o comodismo, nos levam a vencer aquele jeito errado de aceitar que as situações ficam ruins porque “é assim mesmo”, “não tem jeito”; sal e sol para incentivar, entusiasmar as pessoas a fazer o bem e a verdade prevalecerem sempre. Sabedoria que se deixa iluminar pelo Sol da Justiça e que se distribui à medida que as atitudes mostram o Deus em quem acreditamos, a quem amamos e que obedecemos.

            Nossa luz brilha por meio das “boas obras”, aquelas que não necessitam de propaganda, pois são fruto de sinceridade e amor a Deus e ao próximo, que nos levam a “abrir os olhos” para a realidade e a tomar iniciativas urgentes para não permitir que façam do nosso povo “gato e sapato” e sim criem ações coletivas e organizadas contra a violência e em respeito à vida e à família.

            Sol e sal para carregar de sentido e alegria a nossa vida e a vida dos que nos rodeiam e também a vida dos que nos encontram e que ainda não conseguem ver e crer no sol do amor, da bondade e da caridade que vem nos encontrar, Jesus Cristo!

            É nossa missão fazer o Sol brilhar nos ambientes que frequentamos e temperar o mundo com o Sal da Sabedoria divina.


(Parceria com o Pe. João Paulo Ferreira Ielo, Pároco da Paróquia Imaculada Conceição de Mogi Guaçu da Diocese de São João da Boa Vista – SP)

terça-feira, 11 de outubro de 2016

COMENTANDO A PALAVRA DE DEUS - VIGÉSIMO-NONO DOMINGO DO TEMPO COMUM

A Palavra de Deus do Vigésimo Nono Domingo do Tempo Comum nos remete ao tema da oração, nossa relação direta com Deus, do discipulado, nossa relação direta com Jesus Cristo, e da missão, nossa relação direta com o mundo, nesta mudança de época!
            Falar de oração, em nosso tempo, nem sempre é fácil. As pessoas de nosso tempo falam umas com as outras, como nunca antes. Mas como se comunicam? Basta observarmos um pouco, pessoas em encontros sociais, de trabalho ou no simples hodierno: elas (as pessoas) falam com diversas outras pessoas ao mesmo tempo. Temos diante de nós, pessoas que falam conosco, sim, porém, com um ou mais celulares ou outros aparelhos da modernidade de um mundo tecnologicamente avançado, porém virtual, conectados!
            Encontrar um sentido novo, mais burilado em nossa forma de rezar, é talvez, a intenção da Palavra de Deus deste domingo, desde Moisés no Livro do Êxodo, de Jesus no Evangelho de Lucas e dos conselhos de Paulo em sua Segunda carta a Timóteo. Afinal, a oração é o meio mais eficaz de dialogarmos com Deus. E na qualidade de nossa oração, que encontramos ou não, a confiança no amor de Deus para conosco. Só nos abrimos de todo coração, em quem confiamos de verdade. Só nos sentimos felizes e à vontade com quem amamos e queremos bem. O desabafo é sinal de confiança; significa confiar nossas aflições a alguém que sabe ouvir, entender e aceitar nossas limitações e fraquezas, que não poucas vezes nos levam a crises, angústias e depressões. Ou seja, a oração surge dos momentos nossos de todos os dias. Daí a importância da consciência de vivermos em oração sempre, dialogando com Deus que nos ama loucamente e seguramente quer estar em constante comunicação conosco.
            Para rezar, é preciso situar-nos num contexto. Como realidade absoluta de Deus; e Deus é inacessível à nossa realidade. Por isso, não devemos “negociar” com Ele; seria a mesma coisa, como falar num telefone desconectado. Se nossa realidade íntegra (total) não contém uma referência interna de Deus, e se não interferir em todas as ordens, nossa relação autêntica será impossível. Por isso, vivemos numa exigência interna de Deus (cf. Santo Agostinho de Hipona). São Paulo afirma: “Cristo é a imagem visível de Deus que é invisível” (cf. Cl 15). A forma como Deus chega pessoalmente até nós, é o amor ao próximo; daí nunca esquecermos o novo mandamento do Amor!
            Por outro lado, na relação com Deus, não há nenhuma mediação legal, nem ritual (cf. Hb 8,8-12; Jr 31). Deus se relaciona com a pessoa através de uma lei escrita no Antigo Testamento, através de uma estrutura social, de preceitos. Agora já não está a lei fora da pessoa, e sim dentro, em seu interior. Por isso, a relação de Deus com a pessoa se faz de forma direta, profunda, em seu interior, em seu coração que significa o mais profundo do ser humano. Com Paulo VI poderíamos dizer, que Deus adentra ao “sacrário humano, a consciência da pessoa”, e mergulha aos porões de sua intimidade, para soprar-lhe do silêncio de seus dóceis lábios, uma declaração de amor ao ouvido de quem está disposto a acolhê-lo.
            Uma das formas místicas e belíssimas de dialogar com Deus é o próprio silêncio, num mundo tão conturbado e barulhento. “Deus é de longos silêncios e raras palavras...”. Não podemos correr o risco de não ouvir o que Deus tem a nos dizer.
            Conta uma pequena estória, que em determinada Igreja, por volta do meio-dia, um homem entrava na Matriz e sentava-se no último banco. Nada dizia. Apenas ficava sentado lá, olhando para frente, sem pestanejar. As zeladoras daquela Igreja, preocupadas, achando que poderia tratar-se de um mal-feitor, pediram que o padre falasse com o homem. Ao perguntá-lo o que fazia todos os dias, no mesmo horário, no último banco da Igreja, ouviu do homem simples: “Senhor Padre, venho aqui todos os dias e olho para Ele e Ele olha para mim. Tem algum problema que eu faça isso?”. O padre retrucou: “Mas o senhor olha para quem, se a Igreja está sempre vazia quando vem aqui?”. O homem concluiu: “Eu olho para Jesus! Não é ele que está naquela caixinha dourada (sacrário)?”. O padre envergonhado passou a fazer, desde aquele dia, companhia mais assídua, em espírito de oração, a Jesus Sacramentado.
            Mas a Palavra de Deus, que trata com delicadeza o tema da oração, quer mais: nossa oração não pode ser individualista, pidona ou simplesmente preceitual. A oração precisa produzir frutos com sabor de justiça, já que o Reino de Deus é um reino de justiça. Logo, onde não há justiça, não há Reino de Deus. Nossa oração deve refletir esperança aos que são oprimidos, pobres, enfermos e desolados. Oração sem confiança não produz esperança. E comunidade sem esperança é inútil. Como diz o Papa Francisco, não passa de uma ONG piedosa.  Assim sendo, nossa oração deverá trabalhar nosso discipulado e nossa missionariedade, justamente neste Mês Missionário!

            Sejam todos sempre muito abençoados. Com ternura e gratidão, meu abraço,

Pe. Gilberto Kasper

(Ler Ex 17,8-13; Sl 120(121); 2Tm 3,14-4,2 e Lc 18,1-8)

Fontes: Liturgia Diária da Paulus de Outubro de 2016, pp. 53-56 e Roteiros Homiléticos da CNBB do Tempo Comum II (Outubro de 2016), pp. 45-49.

VIVA A MÃE DE DEUS E NOSSA!

Padre Gilberto Kasper é Mestre em Teologia Moral, Licenciado em Filosofia e Pedagogia, Especialista em Bioética, Ética e Cidadania, Professor Universitário, Docente na Associação Faculdade de Ribeirão Preto do Grupo Educacional da UNIESP, Assistente Eclesiástico do Centro do Professorado Católico, Assessor da Pastoral da Comunicação e Reitor da Igreja Santo Antônio, Pão dos Pobres da Arquidiocese de Ribeirão Preto e Jornalista. Contato: pe.kasper@gmail.com

“Mãe do terceiro mundo, mãe de todos os homens;
todos são filhos teus, porque és Mãe de Deus” (D. Pedro Casaldáliga).
           
            O povo brasileiro, povo religioso e cheio de fé, celebra festivamente a festa de Nossa Senhora Aparecida e festeja com singular confiança a sua proteção materna para com este povo devoto. Antes de qualquer coisa é preciso lembrar que o título de “Nossa Senhora” é um modo carinhoso tipicamente brasileiro de se referir à Virgem Maria, a serva fiel que gerou para toda a humanidade o Salvador, Jesus Cristo.

            Desde o início do Cristianismo Maria recebe do povo cristão um carinho particular, ela é a “cheia de graça” (cf. Lc 1,26-28), a “Mãe do Senhor” (cf. Lc 1,43), é uma pessoa humana, que não se gaba de suas virtudes, mas sim reconhece a Deus como o seu Senhor (cf. Lc 2, 46-56) e ensina aos filhos e filhas de Deus a obedecer ao Filho unigênito de Deus, Jesus Cristo e a fazer tudo quanto ele nos diz (Jo 2,1-11). Assim, de geração em geração o povo de Deus canta as maravilhas que Ele opera em favor de seus filhos que esperam e confiam em seu amor. E quando o culto cristão exalta a figura de Maria, nossa Senhora e nossa Mãe, jamais se esquece que ela “não é deusa nem mais do que Deus, mas depois de Jesus, o Senhor, neste mundo ninguém foi maior”!

            A devoção do povo nasce do respeito profundo para com a Virgem Maria, mulher simples, do meio do povo, uma jovem de fé e repleta de esperança. Em Maria os filhos e filhas de Deus se identificam em sua jornada de esperança e luta. Maria ensina aos discípulos de Jesus que é necessário obedecer ao que Ele diz se desejarmos viver a felicidade que não é migalha que sobra do bolso dos poderosos e sim abundância de graça que Deus derrama sobre seus filhos e filhas. O povo simples chama Maria de nossa Mãe, a invoca em suas aflições, em suas dores se consola com o afeto maternal e sente solidariedade de Maria com os sofrimentos nossos, nós os “irmãos” de Jesus (Jo 19,25-27). “Nossa Senhora”! Palavras que, quase instintivamente vêm aos lábios nossos quando algo nos surpreende. E mesmo quando inesperada notícia boa nos é dada, bradamos “Nossa Senhora”!

            Fato interessante ocorreu em 1717, no Rio Paraíba, quando o Conde de Assumar visitaria a região onde está o município de Aparecida e a população quis fazer uma grande homenagem ao ilustre visitante. O produto daquela região era o peixe, mas naquela ocasião não havia peixes para tamanha solenidade. E os coitados pescadores, conhecedores da natureza, nem puderam contestar as ordens recebidas. Voltam ao ofício, jogam as redes, se esgotam e nada de peixes. De repente, surge a cabeça de uma imagem de Nossa Senhora da Conceição; em seguida resgatam o corpo daquela imagem e se não bastasse a surpresa, o mais prodigioso acontecimento se deu: pescaram peixes em tamanha quantidade como nunca antes se havia visto. Uma intervenção interessante, um milagre de Deus com a intercessão materna de Maria, a Mãe dos filhos de Deus.

           Desse fato até aos nossos dias muito se tem visto da intercessão materna da Mãe de Deus e nossa em terras brasileiras. Quem intercede em nosso favor é Maria, aquela que cuidou do Menino-Deus, que embalou seu sono, que lhe ensinou os primeiros passos, curou seus esfolados de menino cheio de energia. Maria intercede e pede e roga por nós agora e na hora de nossa morte. Rezamos a Maria, e as suas imagens espelhadas por todo esse Brasil são lembranças carinhosas de alguém que viveu a fé e ainda hoje reza por nós junto a Jesus.

            Todos os anos vou a Aparecida. Lá contemplo na imagem da Padroeira do Brasil, a imagem da misericórdia divina que por meio de Maria nos veio visitar; contemplo minha mãe e tantas mães de nossa comunidade e do mundo com suas dores, esperança e com aquela fé límpida como os raios do sol. Em Aparecida aprendo com o povo simples a teologia dos joelhos dobrados, do coração caloroso de amor e ardoroso de solidariedade. Em Aparecida peço a bênção para Nossa Senhora, peço às mães que lá encontro que também me abençoem como eu pedia à minha mãe. E meu coração de filho, de peregrino e de padre fica reconfortado. Não somos órfãos, temos Pai e temos Mãe que nos protegem, nos amam e nos querem felizes.

            Em Aparecida aprendemos a devoção que derruba as idolatrias dos nossos dias, o egoísmo, a avareza, o orgulho, a falta de caridade, o apego ao dinheiro e o desrespeito à vida e à família. De Maria aprendemos a ser os discípulos de Jesus quando também aceitamos que se “faça em nós o que é do agrado de Deus” (Lc 1,38).

(Em parceria com o Pe. João Paulo Ferreira Ielo, Pároco da Paróquia Imaculada Conceição de Mogi Guaçu (SP)


quarta-feira, 5 de outubro de 2016

COMENTANDO A PALAVRA DE DEUS - VIGÉSIMO-OITAVO DOMINGO DO TEMPO COMUM

MÊS MISSIONÁRIO

"Senhor, se levardes em conta as nossas faltas,
quem poderá subsistir?
Mas em vós encontra-se o perdão,
Deus de Israel!" (Sl 129,3s).

A Palavra de Deus do Vigésimo-Oitavo Domingo do Tempo Comum coloca nosso coração acolhedor diante do grande Milagre da Vida de Deus para conosco e de nossa Gratidão para com Ele!

Sou do tempo em que se pedia as coisas "por favor”, e depois de conseguir realizar o pedido, mesmo vindo dos pais, dizia-se "muito agradecido". Os tempos mudaram e a educação também. Os filhos exigem que os pais os sirvam com imediatismo e quando isso não é possível, comportam-se mal-educados e até agressivos. Isso se transfere às nossas Comunidades: somos hoje mais uma Igreja "pidona" do que "agradecida", e ai de Deus, quando não nos atende imediatamente! Viramos as costas para Ele, nos afastamos da Comunidade de Fé e corremos atrás de outros meios. Muitos ainda reduzem Deus a um "camelô", tentando "barganhar" com promessas incabíveis e sem sentido algum. Tenho certa dificuldade com as "salas de milagres": o que Deus fará com tanta coisa, como cabeças e pernas de cera, muletas, fotografias, roupas, e cartinhas?... Será este tipo de gratidão que o Senhor espera de nós? Com todo respeito à religiosidade popular e aos inúmeros Santuários que conservam tais depósitos de objetos, penso que a gratidão esperada por Deus de cada um que agracia com o precioso dom da vida é o amor com sabor divino, o amor realmente gratuito, a capacidade de perdoar e a acolhida, principalmente dos preteridos, discriminados e excluídos de nossa sociedade que vive da aparência e não da essência das pessoas.

O próprio Papa Francisco na Exortação Apostólica Amoris Laetitia reafirma que O Amor na Família parte da suposição de três palavrinhas orientadoras: Por Favor, Agradecido, Desculpa!

Em minha infância, conheci no bairro onde cresci, duas senhoras hansenianas. Uma muito pobre já sem nariz e orelhas, trabalhava naturalmente na lavoura e tentava fazer de sua enfermidade um caminho de santidade. Trabalhava rezando e agradecendo a Deus por poder ajudar no sustento da família. Sentia uma admiração muito profunda por ela, pois me ensinava a ser ainda mais agradecido pelo corpo perfeito que Deus me dera. Nossa única semelhança era a pobreza material e a riqueza espiritual. Alguns coleguinhas me repreendiam porque me aproximava dela e a tratava com naturalidade, pois sentiam nojo e temiam serem contagiados com a sua lepra. Tratava-se em Hospital Público e faleceu logo. Nem os medicamentos conseguia comprar. Já na minha infância os preferidos de Deus morriam por falta de condições de tratamentos caros e pelo descaso da Saúde Pública, algo que continua em nossos dias, não obstante promessas jamais cumpridas em campanhas megalomaníacas e mentirosas. A outra, de família economicamente privilegiada, ficava escondida no quarto. A família sentia vergonha e não a expunha a ninguém. Numa tarde consegui, escondido de todos, espiá-la e até falar com ela. Disse-lhe que não se revoltasse, pois eu me comprometia a rezar por sua cura. Tempos depois a internaram numa Clínica em Manaus. Já sacerdote, anos mais tarde a encontrei praticamente curada, ao que me disse: "Tu tinhas mesmo que ser padre. Deus ouviu tuas orações, quando ainda criança. Já tive alta e agora ninguém mais tem vergonha de mim..." Minha alegria foi tamanha, que celebrei várias Missas em ação de graças, esforçando-me para não reclamar de dores insignificantes! 

            “Não foram dez os curados? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro? Levante-te e vai! Tua fé te salvou” (cf. Lc 17,18-19).
           
            Entre outras, a mensagem principal da Palavra Proclamada neste domingo poderia ser: A maturidade e a grandiosidade de nossa fé consistem na generosidade de nossa gratidão. Sabemos se nossa fé é de verdade madura, na medida em que formos agradecidos a Deus! 

            Encontramos em Nossa Senhora, a Mãe Conselheira, Consoladora e Orientadora! Com o coração orante, estaremos unidos a todos, na Solenidade de Nossa Senhora Aparecida! Celebraremos a Eucaristia com a Benção das Crianças!

Desejando-lhes muitas bênçãos, com ternura e gratidão, nosso abraço amigo,

Pe. Gilberto Kasper
(Ler 2Rs 5,14-17; Sl 97(98); 2Tm 2,8-13 e Lc 17,11-19)

Fontes: Liturgia Diária da Paulus de Outubro de 2016, pp. 35-37 e Roteiros Homiléticos da CNBB do Temo Comum II (Outubro de 2016), pp. 33-38.