Pesquisar neste blog

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

HOMILIA PARA O TERCEIRO DOMINGO DA QUARESMA DE 2013


Meus queridos Amigos e Irmãos na Fé!

            “Somos peregrinos com Jesus rumo à Páscoa. Eis que chegamos ao terceiro domingo da Quaresma. Jesus intensifica o convite à conversão.

            Após termos celebrado os domingos das ‘tentações’ e ‘da transfiguração’ de Jesus, a liturgia da palavra ressalta a urgência da conversão pela renovação batismal. A conversão se traduz na resposta de fé à paciência de Deus.

            A Quaresma é o tempo da paciência de Deus, é o tempo que ele nos dá para que possamos produzir os frutos da justiça e da fraternidade.

            A fé se revela com a mudança de atitudes, com a mudança do coração por meio do árduo processo de conversão. Converter-se implica voltar para Deus e produzir os frutos do amor, da solidariedade e da paz. Que a caminhada quaresmal suscite ‘em todos uma sincera e contínua obra de conversão para experimentar a misericórdia do Pai, que vem ao encontro de todos’ (cf. Carta Apostólica Porta Fidei de BENTO XVI, n. 13).

            ‘As leituras revelam que Deus caminha conosco e não se conforma com a situação do seu povo sofrido. Nutridos pela sua palavra, seremos capazes de produzir frutos abundantes de fraternidade.

            Deus não suporta ver o povo sendo manipulado e mantido no sofrimento e convoca líderes para libertá-lo. Deus é paciente e nos dá sempre novas chances, mas exige também atitudes de nossa parte. É preciso saber ler os fatos históricos para melhorar o hoje da história’ (cf. Liturgia Diária de Março de 2013 da Paulus, pp. 21-23).

            A Quaresma é um tempo para avaliarmos a qualidade de nossas respostas aos projetos da vontade de Deus. Será que elas correspondem à expectativa de quem confiou em nós? Pode ocorrer que os frutos não estejam à altura do esperado. Quem planta e cultiva determinada árvore frutífera, é natural que almeje colher bons frutos. ‘Foi lá procurar figos e não encontrou. Então disse ao agricultor: Já faz três anos que venho procurando figos nesta figueira e nada encontro’. Desilusão! A paciência parece estar se esgotando. O impulso humano é dar um basta: ‘corta-a!’.

            Apesar de nossas dificuldades, Deus não age assim. Mesmo que sua paciência esteja no limite, ‘o Senhor é piedade e compaixão, lento na cólera e cheio de amor’ (Sl 145,8). Cristo, por sua vez, intercede constantemente por nós junto ao Pai, dilatando e ampliando sua paciência. O amor misericordioso torna possível o êxito dos projetos de Deus. Converter-se a Deus é voltar-se para Deus, é caminhar rumo a ele.

            A urgência da conversão quaresmal não se apresenta aqui como uma ameaça, mas como um convite libertador que suscita alegria, pois nos libertamos de algo que impede de crescermos como pessoas fiéis. O apelo à conversão requer mudança (metánoia) de nossa maneira de pensar, para assimilarmos os critérios de Jesus e seu estilo de vida. A conversão, como êxodo, é uma atitude do coração que exige manifestação externa no cotidiano pela dedicação às obras de caridade, à promoção da fraternidade e à defesa da vida.

            “A conversão e a fé sem a caridade não dá fruto, e a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida. Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra realizar o seu caminho’ (cf. Carta Apostólica Porta Fidei de BENTO XVI, n. 14).

            O chamado à conversão, que nos transforma em novas criaturas, começa pela fé e no batismo, exige esforço contínuo para que, renunciando a nós mesmos, assimilemos a vontade de Deus, estabelecendo novos relacionamentos com as pessoas e com o mundo que nos cerca. A conversão apoia-se no crescimento da fé e nas relações pautadas pela Boa Nova do Reino.

            No caminho da conversão, iluminados pela ‘sarça ardente’, percebemos sempre que algo poderia ser melhor, no que fazemos e somos, mesmo em nossas ações e atitudes dignas de aplausos, descobrimos resquícios de egoísmo e falta de amor. Mais do que nos penalizar, estas descobertas nos alegram. Pois pela confissão da nossa fraqueza e a humilhação pela consciência de nossas faltas, somos reconfortados pela misericórdia de Deus. Contudo, não abusemos da paciência de Deus, não tomemos como desculpa a sua misericórdia para retardar nossa conversão. A paciência de Deus não é uma atitude passiva, mas uma solicitude para que o homem viva. Deus crê no homem, crê que ele pode mudar a sua conduta passada, para se voltar para Aquele de quem se afastou.

            Conversão é convite à vida. Mais do que anúncio de ameaças, é proclamação de uma boa nova. Jesus apela “à conversão, anunciando a proximidade do Pai amoroso e misericordioso” (cf. Roteiros Homiléticos da Quaresma da CNBB, pp. 34-40).

            Esta terceira semana da Quaresma insistindo em nossa conversão, isto é, voltar nosso coração novamente para Deus, a quem deixamos falando sozinho ou lhe viramos as costas por conta de nossas infidelidades e pecados, nos convida a aproximar-nos do riquíssimo Sacramento da Reconciliação. Lamentavelmente ainda muitos bons católicos têm suas dificuldades com a confissão auricular (individual), por inúmeras razões, algumas delas, compreensíveis, outras não. Para mim, o mais rico sacramento depois da Eucaristia, de que dispomos sempre, é o da Reconciliação. Os Sacerdotes se reúnem em Mutirão de Confissões neste tempo rico, que a Igreja nos concede. Procuremos informar-nos com nossas Comunidades, onde estão acontecendo os Mutirões de Confissões ou onde poderemos adentrar nosso “sacrário pessoal”, os porões de nossa intimidade ou nossa consciência, celebrando o perdão, libertando-nos de tudo que nos aprisiona. Os Sacramentos da Reconciliação e da Eucaristia nos devolvem a verdadeira PAZ que o pecado nos rouba! Só então produziremos frutos saborosos em nossas relações pessoais, sociais, eclesiais e políticas, como pessoas de boa fé!

            Desejando-lhes muitas bênçãos e eficaz reconciliação com Deus, com o próximo e consigo mesmo, com ternura meu abraço amigo,

Pe. Gilberto Kasper
(Ler Ex 3,1-8.13-15; Sl 102(103); 1Cor 10,1-6.10-12 e Lc 13,1-9)

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A QUARESMA É UM “TEMPO FAVORÁVEL”


Pe. Gilberto Kasper*

            A Quaresma é um “tempo favorável” para a redescoberta e o aprofundamento do nosso discipulado de Cristo. É tempo para um novo nascimento. Neste tempo, somos chamados a assumir a penitência como método de conversão e unificação interior, como caminho pessoal e comunitário de libertação pascal. É necessário fazer da Quaresma um tempo propício para a avaliação de nossas opções de vida, para corrigir nossos erros e aprofundar a dimensão ética, abrindo-nos aos outros e realizando ações concretas de solidariedade, como nos convida a Campanha da Fraternidade sobre a juventude: “Senhor, ‘eis-me aqui, envia-me’” (Is 6,8). É tempo forte de escuta da Palavra, pois através dela vamos conhecendo os desejos de Deus e aprendendo a praticar a sua vontade.

            A Quaresma é tempo de renovação espiritual, como um retiro pascal estruturado nas práticas da oração, do jejum e da esmola (solidariedade, misericórdia). O que a oração pede, o jejum alcança e a misericórdia recebe. Oração, misericórdia, jejum: três coisas que são uma só e se vivificam reciprocamente (cf. Roteiros Homiléticos da Quaresma CNBB, pp. 9-10).

            Gosto sempre de propor um exercício aparentemente simples, mas que na verdade é bem difícil: durante a Quaresma não falaremos mal de ninguém. Se não houver motivos para elogios, calaremos! Será um exercício proposto diariamente. Se conseguirmos passar um dos dias da Quaresma sem falar mal de ninguém não importa. O que importa é o esforço que renovaremos todos os dias.

            Os frutos de nossos exercícios quaresmais, como jejum, abstinência, oração com maior qualidade, entre outros, deverão ser revertidos à Coleta da Solidariedade, realizada nas Comunidades de todo o Brasil no Domingo de Ramos! Seria bom que desde a Quarta-Feira de Cinzas já guardássemos aquilo de que abrimos mão em favor de quem tem menos do que nós. Assim não chegaremos ao dia da coleta com uma migalha apenas, mas os saborosos frutos de nossa Penitência! É isso que nos converte e nos faz sermos melhores hoje do que ontem!        
           
            *pe.kasper@gmail.com
Mestre em Teologia Moral, Especialista em Bioética, Ética e Cidadania, Professor Universitário, Assistente Eclesiástico do Centro do Professorado Católico, Reitor da Igreja Santo Antônio, Pão dos Pobres da Arquidiocese de Ribeirão Preto e Jornalista.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

HOMILIA PARA O SEGUNDO DOMINGO DA QUARESMA DE 2013


Meus queridos Amigos e Irmãos na Fé!

            “Neste Segundo Domingo da Quaresma, somos convidados a subir a montanha com Jesus e três dos seus discípulos para contemplarmos o mistério da glória de sua transfiguração. Por instantes, a eles é revelado que Jesus glorificado é o salvador esperado e que transformará nossa condição humana em realidade glorificada. [...] Imagino que os discípulos deram uma espiadinha no céu. [...]

           A visão da transfiguração de Cristo nos convida a ‘prestar ouvidos ao eleito Filho de Deus’, se quisermos ter forças no discernimento das ações que edificam o mundo segundo o projeto do Pai. A Palavra de Deus, neste dia, nos descreve a parábola ou nos desvela o grandioso plano salvador de Deus.

            A contemplação do Senhor transfigurado ressalta que ‘a fé cresce quando é vivida como experiência de um amor recebido e é comunicada como experiência de graça e de alegria. A fé torna-nos fecundos, porque alarga o coração com a esperança e permite oferecer um testemunho que é capaz de gerar: de fato, abre o coração e a mente dos ouvintes para acolherem o convite do Senhor a aderir à sua Palavra a fim de se tornarem seus discípulos’ (Carta Apostólica Porta Fidei, n.7).

            ‘Neste domingo da transfiguração, Jesus nos convida a escutar o que ele tem para nos dizer e a contemplar seu rosto luminoso. Firmes e cheios de fé no Senhor, celebremos a sua páscoa, que se realiza nos grupos e pessoas dispostas a transformar para melhor a realidade de cada um e a vida do povo sofrido.

            As leituras nos motivam a abrir o coração às promessas de Deus, que se preocupa e sempre quer fazer aliança conosco. Chamados a participar da glória do Senhor, escutemos o que hoje ele nos diz. [...] E o que Jesus, o Filho amado do Pai nos diz ao coração, à luz do ANO DA FÉ? Que nos amemos uns aos outros, e pronto. Isso parece simples, mas não é fácil. Amar o diferente, amar quem nos trai, amar quem nos difama e não nos perdoa, amar o inconveniente e o que nos faz sofrer... Mas é o que Jesus espera de cada um de nós. E à luz da Campanha da Fraternidade: FRATERNIDADE E JUVENTUDE, o que Jesus nos pede e diz? Que sejamos fiéis ao lema da mesma: Eis-me aqui, envia-me! (Is 6,8). Deixar-nos enviar implica num prolongado compromisso com nossa Juventude, que é convidada a ser bússola que oriente, através do testemunho, da coerência e do bom senso, todos ao Cristo transfigurado! [...]

            Na aliança com Abrão, Deus promete descendência e terra. A transfiguração de Jesus é prenúncio da glória que a humanidade toda deseja. Estamos a caminho da transformação, mas para isso é necessário empenho e renúncia’ (cf. Liturgia Diária de Fevereiro de 2013 da Paulus, pp. 75-78).

            Na caminhada da vida, por vezes, uma decisão importante, a realização de um acontecimento, é precedida por crises, trevas e expectativas. Jesus, como exímio Mestre, insistia que os discípulos deviam caprichar no seguimento e tomar a cruz de cada dia. Contudo, para eles, essa conversa da cruz e que ele tinha que sofrer para entrar na glória não fazia parte de seu imaginário e de sua compreensão. As palavras do Mestre sobre a cruz implodiram as esperanças messiânicas e a decepção foi geral.

            A transfiguração se traduz na revelação de que o caminho da glória passa pela cruz. A glória efêmera de um atleta, que no alto do podium recebe a medalha de ouro, é precedida por renúncias e sofrimentos alimentados pelo sonho de ser vitorioso.

            Envolvidos pela luz da glória, Jesus e os representantes da antiga aliança, Moisés e Elias conversam sobre o seu êxodo em Jerusalém. Enquanto isto, Pedro só tem olhos para a glória deslumbrante. Quer chegar à glória por um atalho que evite a cruz. [...] Conosco isto acontece frequentemente. Não raras vezes pulamos etapas. Até pisamos sobre os outros para chegarmos, por atalhos à glória do prestígio, daquilo que chamamos de cargos, funções, honrarias e poder, seja no âmbito eclesial, político e social. Geralmente tais comportamentos, tais atalhos, são desastrosos e fazem muitas pessoas sofrerem por conta de nosso egoísmo e infidelidade na missão que nos foi conferida. [...]

            Ao discípulo não compete inventar um caminho particular que evite a hora desagradável da cruz. Cabe-lhe assumir e andar junto com seu Mestre no mesmo itinerário. A transfiguração passa pela prova de um rosto desfigurado pela angústia para um rosto glorificado” (cf. Roteiros Homiléticos da Quaresma de 2013 da CNBB, pp. 28-33).

            Esta Segunda Semana da Quaresma nos propõe profunda conversão em nossa missão, sobretudo ministerial.  Discípulos do Senhor que querem chegar à transfiguração pessoal, deverão descer da montanha e assumir a realidade. Muitos gostariam de permanecer, como Pedro, lá na montanha, diante da glória. Jesus dá outra orientação: descer ao hodierno, não contar nada a ninguém, e assumir com amor e dedicação incondicional a missão que nos é confiada. Muitas vezes não compreendo como nós ministros ordenados deixamos pessoas morrer sem nossa absolvição, unção dos enfermos; deixamos de atender as pessoas que nos procuram para reencontrarem a paz interior, porque nos ocupamos com tarefas que nem mesmo condizem com nosso Sacerdócio ordenado. Com quanta frequência deixamos de presidir a Eucaristia para nossas Comunidades, porque precisamos passear. Com quanta facilidade gastamos mal o dinheiro com coisas desnecessárias, ou não enviamos o valor realmente arrecadado nas coletas, como no caso da que faremos nesta Quaresma: A Coleta da Solidariedade no Domingo de Ramos?

            Enquanto agirmos sem uma profunda conversão e o resgate da clara noção de justiça em relação ao dinheiro da Comunidade, teremos a coragem profética de pedir maior justiça e transparência por parte de nossos Governantes, tantas vezes corruptos e desonestos, desviando recursos a benefícios pessoais? Oxalá esta Quaresma lapide, moldando-nos ao Mestre que nos escolheu para seu discipulado e não se decepcione ainda mais com nossa prostituição por dinheiro, fama, prestígio e bem estar descabido. Quando utilizo o termo “prostituição” não me refiro à sexualidade, mas à negação da própria consciência, princípios e valores, como acontece com tanta frequência em nossa Política que ou se prostitui aos partidos em demasia, ou não sobrevive ao esquema desonesto.

Sejam todos abençoados e com ternura, o abraço amigo e fiel,

Pe. Gilberto Kasper
                               (Ler Gn 15,5-12.17-18; Sl 26(27); Fl 3,17-4,1 e Lc 9,28-36)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A QUARTA-FEIRA DE CINZAS INICIA A QUARESMA


Pe. Gilberto Kasper*
            
Iniciamos, nesta Quarta-Feira de Cinzas, dia de jejum e abstinência, o sagrado tempo da Quaresma para celebrarmos, de coração renovado, o mistério pascal de Jesus. Desde os tempos mais antigos, a Quaresma foi considerada como período de renovação espiritual, de revigoramento interior, para o testemunho do Evangelho.

A celebração da bênção e a imposição das cinzas lembram as palavras de Jesus: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).

Pela escuta da Palavra do Mestre e pela acolhida da misericórdia divina revelada em Jesus, superam-se a falsidade e a infidelidade, constitui-se o novo povo de Deus. É nesta perspectiva que podemos compreender a palavra do Evangelho proposto para a celebração da Quarta-Feira de Cinzas: os cristãos são chamados pelo Mestre a assumirem, com fidelidade, as obras da justiça – no relacionamento com o próximo: a esmola; para com Deus: a oração; para consigo mesmo: o jejum.

Na caminhada quaresmal, somos convidados a fazermos a experiência de Deus que acolhe nossa penitência, corrige nossos vícios, cuida de nós incansavelmente, fortifica nosso espírito fraterno, nos dá a graça de sermos nós também misericordiosos.

Na Igreja Santo Antoninho, Pão dos Pobres, na Avenida Saudade, 222-1, nos Campos Elíseos de Ribeirão Preto, teremos a Celebração do Início da Quaresma com a bênção e imposição das cinzas e a Abertura da Campanha da Fraternidade cujo tema deste ano é: FRATERNIDADE E JUVENTUDE, e o lema: “Eis-me aqui. Envia-me” (Is 6,8), às 19 horas.

            *pe.kasper@gmail.com
Mestre em Teologia Moral, Especialista em Bioética, Ética e Cidadania, Professor Universitário, Assistente Eclesiástico do Centro do Professorado Católico, Reitor da Igreja Santo Antônio, Pão dos Pobres da Arquidiocese de Ribeirão Preto e Jornalista.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

HOMILIA PARA O PRIMEIRO DOMINGO DA QUARESMA DE 2013


Meus queridos Amigos e Irmãos na Fé!

            “O sagrado tempo da Quaresma caracteriza-se pela vivência profunda do mistério da paixão do Senhor. Na Quarta-Feira de Cinzas, iniciamos a caminhada quaresmal em direção da Páscoa de Jesus e nossa.

            Para as comunidades cristãs, a caminhada quaresmal se apresenta como um tempo de graça em que o próprio Deus, por seu Filho e no Espírito Santo, nos fortalece na fé e nos educa para o verdadeiro sentido da vida, o qual irrompe definitivamente na Páscoa. A Quaresma, que nos conduz à celebração da Santa Páscoa, é um tempo litúrgico muito rico e importante que requer ser vivido com o devido empenho pela prática da caridade, da oração e da escuta da Palavra de Deus.

            A Quaresma deste ano insere-se nas comemorações do cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II. Na palavra de João Paulo II, o Concílio se constituiu numa grande graça que beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do próximo século. E o Papa Bento XVI, por sua vez, afirma: ‘o Concílio pode ser e tornar-se cada vez mais uma grande força para a renovação sempre necessária da Igreja’ (Carta Apostólica Porta Fidei, n.5). Em sintonia com o Ano da Fé, a Quaresma é convite para uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo. No mistério da sua morte e ressurreição, Deus revelou plenamente o Amor que salva e chama os homens à conversão de vida por meio da remissão dos pecados (cf. At 5,31).

            ‘A profissão de fé no Deus salvador é disposição constante do povo fiel ao longo da história da humanidade. O ‘credo do israelita’ é reconhecer a ação libertadora de Deus na história, comprometendo-se com ele. Jesus nos ensina como nos libertar das tentações do dia-a-dia. O ‘credo do cristão’ é aceitar Jesus como o Senhor ressuscitado dos mortos.

            Frutos da terra e do trabalho humano, os bens que recebemos de Deus (emprestados e não como propriedade nossa, motivo pelo qual devemos superar a avareza, o egoísmo, a insensibilidade com os que têm menos do que nós, sem acumular nada do que não conseguiremos levar à eternidade no dia em que nosso nome ecoar na mesma e, muito menos, esbanjar o que poderia enriquecer a dignidade de mais de um bilhão de pessoas que passam fome, diariamente, no mundo) tornam-se pela ação de graças a ele, sinais sacramentais de sua benevolência e promessa de bens maiores e eternos’ (cf. Liturgia Diária de Fevereiro de 2013 da Paulus, pp. 59-62).

            Depois de ser batizado nas águas do rio Jordão e ser publicamente proclamado como o ‘Filho amado de Deus’, Jesus é ‘conduzido pelo Espírito ao deserto’. Mais do que lugar geográfico, o deserto é oportunidade de prova e de afirmação da fidelidade à missão. Jesus rechaça as propostas do tentador, ratificando sua determinação de se entregar até às últimas consequências, obediente à vontade do Pai, e de cumprir sua missão segundo o projeto que fora confiado. [...]

            Gosto de pensar que o problema não é o pecado e nem as tentações que diariamente nos são propostas. São-nos apresentadas muito apetitosamente. O problema é ceder ao pecado e às tentações. Elas nos cercam a todo o momento. Percebê-las, constatá-las, e até discerni-las não é nosso problema. Só trairemos a fidelidade para com Deus, na medida em que cedermos ao pecado e às tentações. [...]

            A Quaresma se apresenta como um tempo de sobriedade que favorece a oração, a prática da caridade e a revisão de vida. Ela é tempo de graça de Deus que nos conduz às alegrias da festa da Páscoa.

            Por isso, a caminhada quaresmal pode se constituir para nós num tempo em que somos conduzidos pelo Espírito ao deserto. Uma oportunidade ímpar para avaliar se nossos projetos de vida, nosso modo de ser e agir corresponde ao projeto de Deus, para purificar nossa prática religiosa, por vezes, infantil e interesseira, alicerçada em milagres ou na prática de uma fé sem responsabilidade comunitária; para superar a prática religiosa construída segundo as nossas opções e exigências; e para rechaçar o império do materialismo consumista que cultua o lucro, o acúmulo, o ter e o consumir.

            Naturalmente, a conversão quaresmal só é possível se tivermos a coragem de nos confrontarmos com a Palavra de Deus. Palavra que deve encontrar acolhida e moradia em nós, fazendo calar a voz dos ‘ídolos’ que nos envolvem e atordoam. Conversão que significa nos alienar de nossos insignificantes e confusos projetos para assumir algo mais radical e original que nos conduza à proclamação, com todo o nosso ser, de que Jesus, vencendo as tentações do deserto, triunfará também na definitiva e última tentação da Cruz.

            Assim como Jesus, hoje, nós somos conduzidos ao deserto para uma experiência viva de fé. Caminhando nas areias do deserto, o Espírito nos liberta do ‘homem velho’ e nos amadurece para o compromisso com o ‘novo’. Que o grande retiro quaresmal alimente nossa fé” (cf. Roteiros Homiléticos da Quaresma 2013 da CNBB, pp. 21-27).

            Finalmente a primeira semana da Quaresma, neste ano à luz do ANO DA FÉ, nos indica pequenos exercícios penitenciais, que tentarão lapidar nossa fé esclerosada, envelhecida, mofada nos porões de nossa intimidade. Saibamos deixar arejar a fé, recebida em nosso Batismo. Uma das tarefas interessantes seria saber o dia de nosso batismo. Renovarmos o propósito de não falarmos mal de ninguém, sendo Anjos uns para os outros. Outro bom exercício para esta semana, seria procurarmos não mentir. Não importa chegarmos ao final do dia e não termos conseguido. No dia seguinte, renovemos novamente tais propósitos, repetindo-os como decoramos a tabuada. Em quarenta dias, haveremos de conseguir mudar, pelo menos, alguma coisinha feia em algo maravilhoso diante de nós mesmos, de Deus e dos outros.

           Desejando-lhes bênçãos, com ternura e gratidão, o abraço amigo e fiel,

Pe. Gilberto Kasper
(Ler Dt 26,4-10; Sl 90(91); Rm 10,8-13 e Lc 4,13)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O SANTO PADRE TESTEMUNHA PROFUNDA HUMILDADE


Pe. Gilberto Kasper*

            A notícia da renúncia ao “Serviço Petrino” que o Santo Padre, o Papa Bento XVI anunciou no dia 10 de Fevereiro, surpreendeu o mundo, não apenas os católicos, como todas as denominações religiosas. Dia 28 de Fevereiro de 2013, às 20 horas (Hora de Roma e 17 horas de Brasília) fica vacante a Sé de Roma e a Cadeira do Sucessor de Pedro, o primeiro Papa nomeado pelo próprio Cristo.
            A renúncia mais surpreendeu porque o último que o fez foi Gregório XIV em 1415, há seiscentos anos. Os motivos que o Papa Bento XVI apresenta são sua idade avançada; completará 86 anos dia 16 de abril, sua saúde debilitada e rápida mudança de época que exige uma assoberbada agenda papal de compromissos. Diz-se frágil para continuar “remando a barca de Pedro, que é a Igreja Católica Apostólica Romana”.
            Ao ser eleito (no caso de Bento XVI a 19 de abril de 2005), o Papa despe-se de todo seu ser, para dedicar-se plenamente ao “Serviço Petrino”, que é conduzir a Igreja com suas conquistas e limites. Entrega-se totalmente à vontade de Deus, deixando-se conduzir pelo Espírito Santo, em busca da configuração de Cristo, o Bom Pastor. E a exemplo de Cristo na cruz, atrai para si todas as culpas, já que a Igreja é santa porque conduzida pelo Espírito Santo, mas também pecadora porque formada por todos os  seus filhos, pessoas cheias de limites e pecados.
            Com quanta rapidez emitimos juízos e críticas, tantas vezes infundadas contra a pessoa do Papa, esquecendo-nos, de que quando eleito, se desfaz do próprio nome, de seu vestuário, nunca mais volta para o aconchego de seu lar, nem mesmo para apanhar algo de sua predileção. O Papa anula-se totalmente para, com a liberdade necessária dedicar-se exclusivamente ao Reino de Deus. Só que tal liberdade o aprisiona ao Vaticano, a Residência Pontifícia, tendo de usar sempre as mesmas vestes, cercado por dezenas de seguranças, abrindo mão de seus hábitos e não poucas vezes de suas vontades próprias. Coloca em seu coração uma Igreja do mundo inteiro: seus filhos, seus desafios, seus problemas e projetos. Quem sou eu e quem somos nós, para “falar mal do Papa” o que fazemos sem medidas com tanta frequência? Só uma pessoa profundamente corajosa, coberta pela graça de Deus, escolhida a dedo por Jesus Cristo, conduzida pelo Espírito Santo e agraciada pela proteção de Maria Santíssima, é capaz de prestar tamanho “serviço pela santificação da humanidade”.
            Não me agradam expressões como cargo e função. Prefiro a expressão “serviço”, o mesmo instituído pelo próprio Cristo na Última Ceia com seus Apóstolos, Seguidores e Seguidoras mais próximos. Naquela ocasião instituiu os Sacramentos da Ordem, da Eucaristia e gosto de afirmar, também da Humildade!
            Ao renunciar seu Serviço Petrino, O SANTO PADRE TESTEMUNHA PROFUNDA HUMILDADE! Oxalá todos nós, especialmente os que não abrem mão de suas funções e cargos e pensam ser insubstituíveis, aprendamos a lição de tão linda Humildade. Saibamos, com João Batista e o Papa Bento XVI, reconhecer nossos limites e ter a coragem de dar lugar a outros, com maior vigor, saúde, sabedoria e disposição, para sentar em nossas cadeiras, nas quais alguns se sentam colados com a intenção: “Daqui não saio, daqui ninguém me tira”.
            Se o Beato João Paulo II lotava a Praça de São Pedro, por ter tido o carisma mediático, para que as multidões o vissem, o Papa Bento XVI, tímido e discreto, lotava a mesma Praça no Vaticano, por sua sabedoria revelada em suas catequeses e riquíssimas obras escritas, para que as multidões o ouvissem! Reconhecer sua fragilidade e renunciar é um gesto de grandiosidade, que seguramente poucos líderes políticos e eclesiais tem.
            Finalmente, ao celebrarmos o cinquentenário do Concílio Ecumênico Vaticano II ambos: o Beato João Paulo II e o Papa Bento XVI se cobriram de coragem e ousadia para pedir perdão à humanidade, dos pecados de alguns dos membros da Igreja Católica Apostólica Romana, bem como para alargar como nunca antes na História da Igreja, o diálogo ecumênico e inter-religioso com as diversas denominações, sem, porém, relativizar a fidelidade de tudo aquilo em que cremos. A grande preocupação dos dois Papas, e muito especialmente de Bento XVI, foi a recristianização da Europa e de outros Continentes ocos de valores evangélicos e do próprio Deus de nossa História.

*pe.kasper@gmail.com
Mestre em Teologia Moral, Especialista em Bioética, Ética e Cidadania, Professor Universitário, Assistente Eclesiástico do Centro do Professorado Católico, Reitor da Igreja Santo Antônio, Pão dos Pobres da Arquidiocese de Ribeirão Preto e Jornalista.