Pesquisar neste blog

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

HOMILIA PARA O 26º DOMINGO DO TEMPO COMUM DE 2012

HOMILIA PARA O 26º DOMINGO DO TEMPO COMUM DE 2012
 
DIA DA BÍBLIA



Meus queridos Amigos e Irmãos na Fé! 

            “Estamos celebrando o último domingo do mês de setembro. Neste dia, recordamos, de uma maneira toda especial, a Bíblia. Nenhum outro livro conseguiu ser traduzido para tantas línguas e chegar a tantos povos como a Bíblia, na qual encontramos a Palavra de Deus. Mesmo escrita há séculos, consegue ser sempre atual e importante para qualquer momento de nossa vida.

            A liturgia deste 26º Domingo do Tempo Comum se apresenta com uma série de ensinamentos, que manifestam a essência da Bíblia. Claramente, podemos ver, pelas palavras de Jesus, que ninguém pode autodenominar-se dono da verdade e muito menos se sentir como exclusivamente único na promoção do bem, em nome de Deus. Temos que ser capazes de reconhecer e aceitar a presença e a ação do Espírito de Deus, através de tantas pessoas boas não pertencentes à nossa instituição, que talvez não pratiquem os mesmos ritos e devoções por nós praticados, nem professem nossa fé, mas que também são sinais do amor de Deus neste mundo.

            ‘O Espírito de Deus não está preso a nenhuma instituição, mas age livremente e pode se servir dos instrumentos mais inesperados. A páscoa de Jesus se manifesta nos grupos e pessoas que, independentemente de credos, se doam a favor dos pequenos e procuram realizar o bem em meio à sociedade. Neste dia da Bíblia, acolhamos com alegria a carta que o Pai celeste deixou para cada um de nós.

            Pode haver profetismo ligado a uma instituição, mas existem outros não menos verdadeiros, fato reconhecido por Moisés e por Jesus. A palavra de Deus nos mostra que a defesa dos pequenos e a vivência da justiça transcendem instituições e crenças.

            O dom da palavra para profetizar e anunciar as maravilhas de Deus não é exclusividade de algumas pessoas ou de alguns grupos. Riqueza acumulada é sinal de morte; partilhada, sinal de vida. Venha de onde vier, o bem sempre será bem-vindo” (Cf. Liturgia Diária da Paulus de Setembro de 2012, pp. 88-91).

            A liturgia deste domingo nos coloca, mais uma vez, no contexto do ensinamento de Jesus a seus discípulos, enquanto caminham para Jerusalém. Apresenta alguns elementos importantes que precisam ser continuamente recordados. Tanto a primeira leitura quanto o evangelho, nos recordam que Deus não é propriedade de ninguém. Nenhuma igreja, instituição ou hierarquia possui o monopólio do Espírito, nem pode contratá-lo e, muito menos, acorrentá-lo. O Espírito, porém, está em todos aqueles que, pela prática dos valores ensinados por Jesus, estão abertos e dispostos a assumir o caminho que leva à verdadeira construção do Reino de Deus, que não é comida nem bebida, mas amor, paz, justiça, solidariedade, partilha.

            Nossa comunidade deve ser capaz de promover o diálogo e saber valorizar as ações boas de outros grupos.

            O verdadeiro cristão não tem inveja do bem que outros fazem, não sente ciúmes se Deus atua através de outras pessoas, mas esforça-se, cada dia, por testemunhar os valores do Reino e alegra-se com os sinais da presença de Deus em tantos irmãos que lutam por construir um mundo mais justo e fraterno.

            A postura de Jesus evitou que a comunidade se fechasse em si mesma. Hoje poderíamos até dizer que sua orientação tendeu a um discurso ecumênico. Para reafirmarmos essa postura, é interessante lembrar que, há 50 anos, o Concílio Ecumênico Vaticano II reconheceu a ação do Espírito Santo, no movimento pela unidade dos cristãos.

            O evangelho também nos coloca diante do problema do escândalo dos pequenos na comunidade. É importante entender que ‘os pequenos’ não são necessariamente as crianças, mas os excluídos, os pobres, os doentes, os órfãos, as viúvas e os estrangeiros. Originariamente, o sentido da palavra ‘escândalo’ significa ‘pedra de tropeço’. Então, ai de quem for essa pedra e for causa de tropeço. Ela pode ser até mesmo certas atitudes que não permitem o crescimento da comunidade. Esta é uma advertência especial aos líderes que são os primeiros responsáveis pela comunidade.

            A radicalidade exigida por Jesus não deve ser considerada no âmbito físico. Usando imagens e linguagem tipicamente semitas, Jesus manda cortar e jogar fora tudo o que possa causar problemas, seja no contexto pessoal ou comunitário, mesmo se isso exigir uma atitude drástica, a fim de não sermos motivo de queda para ninguém” (Cf. Roteiros Homiléticos da CNBB n. 23, pp. 34-42).

            A Bíblia é a Carta de Amor de um Deus apaixonado pela Humanidade. Orienta-nos, sobretudo neste domingo, à coerência entre o que pensamos, celebramos, rezamos e vivemos em nossas relações humanas. Jesus, Moisés e Tiago são muito lúcidos em suas orientações para nossas Comunidades de Fé, Oração e Amor. Devemos estar atentos: líderes eclesiais, agentes de pastoral, autoridades religiosas, mas também e, principalmente em véspera de eleições, as autoridades políticas e os que se apresentam candidatos! Ai de nós, se escandalizarmos a quem quer que seja. Geralmente os maiores escândalos são promessas impossíveis de serem cumpridas, mentiras deslavadas, falcatruas escancaradas, subestimando a capacidade de discernimento dos eleitores. Pior, é quando os eleitores não exercem sua cidadania. Quando votam por interesses pessoais e não pelo BEM COMUM!

            Não pretendo atrair holofotes sobre a Igreja Santo Antoninho. Mas convenhamos, meus irmãos: neste domingo faz quatro anos e cinco meses, que esperamos pelos banheiros e melhorias, que tornem nosso espaço humanamente usável. As pessoas me pedem paciência e dizem que faço minha parte. Não há noite em que me deito, sem antes pedir a Deus, que no dia seguinte, nosso projeto se realize! Embora viva de esperança em esperança, passadas algumas semanas, preciso “cutucar” a quem prometeu ajudar-nos e novas esperanças são feitas, que duram até a próxima procura... Hoje me pergunto: quando realizaremos nosso sonho em realidade? As pessoas já riem ao tentar perguntar: “E os banheiros?” Eu choro e dá-me vontade profética de elencar nomes de quem não mereceria nosso voto, nossa confiança! Mas prefiro confiar nosso Espaço Cultural Ecumênico de Espiritualidade ao tempo de Deus, que certamente não é o meu, nem o seu, nem o nosso. Só espero que tão logo chegue o tempo de Deus, não apareçam os que prometeram, mas não cumpriram com o prometido, escandalizando os pobres da Santo Antoninho!

            Desejando-lhes bênçãos, com ternura e gratidão, o abraço amigo,

Padre Gilberto Kasper
(Ler Nm 11,25-29; Sl 18(19); Tg 5,1-6 e Mc 9,38-43.45.47-48)

terça-feira, 25 de setembro de 2012

O SER HUMANO É NATURALMENTE RELIGIOSO


O SER HUMANO É NATURALMENTE RELIGIOSO 

Pe. Gilberto Kasper
 

Mestre em Teologia Moral, Especialista em Bioética, Ética e Cidadania, Professor Universitário, Assistente Eclesiástico do Centro do Professorado Católico, Reitor da Igreja Santo Antônio, Pão dos Pobres da Arquidiocese de Ribeirão Preto e Jornalista.

                De fato a história universal registra, independente da cultura e do lugar, que todos os povos tinham e tem religião. E, mais ainda, a religião está na base de sua vida. Quem a recalca, segundo pesquisa de Georg Siegmund, risca anormalidade. É o que já Santo Agostinho sentenciara: “Fizestes-nos para Vós, Senhor, e nosso coração está irrequieto enquanto não repousar em Vós”.

            Depois da implosão da União Soviética, cujo ateísmo militante proibia qualquer expressão religiosa, verificou-se o estranho fenômeno de jovens, que antes não tinham a menor ideia de religião, acorrerem aos mananciais do Evangelho. Reconhecem-se subitamente “agarrados por Deus”. São pessoas que cresceram num ambiente asséptico de todo germe da religião. De repente, porém, tiveram a certeza absoluta a existência de Deus, não como uma teoria, mas como Alguém que os atinge de perto.

            O ser humano tem indubitavelmente uma dimensão transcendente. Desde os tempos mais remotos tentou vincular-se com a divindade. Crê em Deus e o acolhe, no dizer de Santo Agostinho, como mais íntimo que ele mesmo. Reconhece-o como seu Supremo Bem, colocando-o na origem e no destino de sua vida.

            O cristianismo veio reforçar essa tendência mostrando-a como uma ação divina em nós. E, mais ainda, anuncia que o próprio Deus, na pessoa de seu filho, se fez homem. Veio habitar entre nós. Conhecemo-lo com o nome de Jesus Cristo. Essa encarnação de Deus elevou a dignidade humana ao mais alto grau, coroado com um Deus ainda mais excelso de filhos de Deus pelo batismo. Deus se solidarizou conosco. Jesus garante que tudo o que se fizer ao menor de seus irmãos é feito a Ele, o que equivale a dizer que dele receberá a recompensa. Falamos de uma ordem sobrenatural, que se situa no campo da graça. Todos nós participamos da plenitude da graça e da verdade de Cristo.

            Temos, pois, a certeza de que o ser humano se compõe de matéria – foi tirado do barro e, por isso, como se costuma dizer, é de carne e osso – e de espírito – recebeu o sopro divino. É um organismo vivo pensante. Sintetiza, em seu ser humano, os três degraus da vida: vegetativa, sensitiva e intelectiva, acrescidos da graça divina. Desenvolve por isso quatro atividades: uma orgânica, assimilando alimentos, outra psicológica, expressando sentimentos, a terceira espiritual, pelo conhecimento intelectivo e pela vontade livre, a quarta sobrenatural, pelas virtudes infusas da fé, da esperança e da caridade.
            Soa ainda hoje a exortação, que vem desde Tertuliano: “Cristão, reconhece tua dignidade!” Não menos incisivo é o imperativo socrático: “Homem, conhece-te a ti mesmo”. De fato, não basta existir. Não se consegue viver plenamente sem reconhecer o que nos torna humanos. O ser humano é, sim, matéria, mas matéria orgânica pensante e amante. Ele é capaz de Deus e de acolher o universo, conhecendo-o. Mas também se sente conhecido e amado e assumido por Deus e por muitos irmãos.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

HOMILIA PARA O 25º DOMINGO DO TEMPO COMUM DE 2012


Meus queridos Amigos e Irmãos na Fé!
 
            “Animados pela celebração do Mês da Bíblia, na qual encontramos a Palavra por excelência, que se diferencia das que normalmente ouvimos, queremos orientar nosso agir tentando entender, a cada domingo, o que Deus nos fala. À medida que formos nos aproximando do Tempo Comum o anúncio da Paixão é uma realidade muito próxima.

            A liturgia deste domingo apresenta a palavra como luz para nossa vida e nos coloca diante de duas realidades que, continuamente, nos interpelam e exigem nossa opção: a “palavra do mundo” e a “palavra de Deus”. Convida-nos a pensar no modo como nos situamos na comunidade cristã e na sociedade e até que ponto esta palavra é capaz de orientar nosso agir.

            ‘Discípulos dele (de Jesus), somos chamados a tomar posição, em meio aos conflitos sociais, a favor do direito e da justiça e pôr-nos a serviço de todos, principalmente dos empobrecidos, sem ambicionar honrarias. Façamos de nossa prática religiosa não um trampolim para o prestígio, mas um sinal de nosso compromisso com o reino de Deus.

            A Palavra de Deus denuncia as intenções perversas dos injustos contra os justos, ensina que a inveja e a rivalidade são causas de obras más e nos convida a abraçar Cristo no pobre e no pequeno.

            A presença do justo sempre incomoda os perversos e corruptos. Jesus anuncia novamente sua paixão e convida os discípulos para a humildade e o serviço. A inveja e a rivalidade são causa de muitos males na comunidade’ (Cf. Liturgia Diária de Setembro de 2012 da Paulus, pp. 72-74).

            Jesus denuncia e pede que tenhamos cuidado com o poder, com as tentativas de domínio sobre os outros, com os sonhos de grandeza, com as manobras para conquistar honras, lucros e privilégios, com a busca desenfreada por títulos e posições de prestígio, pois são atitudes que revelam uma vida segundo a ‘palavra do mundo’.

            Jesus nos convida a uma opção de vida que manifeste o que ele mesmo é, tendo nos deixado como testamento: um coração simples e humilde, capaz de amar e acolher a todos em especial os excluídos, sem necessidade de retribuição e reconhecimento público.

            Não há meio termo, Jesus é claro e exigente: quem quiser segui-lo deve acolher sua proposta e consequentemente seus desafios. Como Igreja devemos estar dispostos a testemunhar nossa fé por meio de atitudes que manifestem a verdadeira palavra que é Caminho, Verdade e Vida. [...]

            A Palavra de Deus deste domingo orienta, especialmente, os líderes de nossas Comunidades, a começar dos Ministros Ordenados, bem como dos que lideram a Política e os Movimentos Sociais. É profundamente oportuna em véspera de eleições. Não gosto de alguns termos como: Poder, Função e Cargo! Prefiro o que o Evangelho sugere, para aqueles que, de alguma forma, se propõem a servir a Comunidade Religiosa, Política, Civil e Social: SERVIÇO! Preocupam-me muitas de nossas atitudes que denigrem a imagem do outro para esconder nossos próprios defeitos e erros. Quando não for possível apresentar nossa capacidade de transformar o mundo por conta de nossas qualidades, não me parece justo, mas diabólico, elencar os erros dos outros. A inveja é justamente assim: sabendo que não chegaremos aos pés do outro, procuramos denegri-lo, divulgar o que tem de erros, para reprimi-lo até nosso patamar, já que não conseguiremos igualar-nos ou sermos melhores do que ele. Outra atitude diabólica é querer utilizar-se seja da religiosidade, da emotividade e da ignorância dos mais simples para adquirir prestígio, poder, cargos através de votos. Jamais mentiras, promessas enganosas, calúnias e agressões verbais que desrespeitem a dignidade de qualquer pessoa, principalmente as que se propõem a servir desinteressadamente um Povo, deveriam determinar o resultado de qualquer eleição, não a Cargos e Funções, mas ao Serviço revestido de sincera Humildade, uma das maiores virtudes de qualquer Pessoa Pública! Também penso ser cruel e diabólico “obrigar” ameaçadoramente nossos fiéis a votarem em candidatos que venham a favorecer apenas nossas Comunidades. Quem não pensa no BEM COMUM, sem distinção de pessoas, grupos, religião, condição social, intelectual e partidária não pode querer merecer nosso VOTO! Principalmente quem chega ao topo da infidelidade das próprias convicções religiosas, só para atrair votos. Pessoas que não são fiéis nas pequenas coisas, também não serão fiéis nas maiores. Portanto não merecem ser eleitas para representar-nos e defender os direitos de nossa cidadania e dignidade. Não esqueçamos que precisamos de oportunidades e não de esmolas. Também não esqueçamos que frequentemente os que chegam a determinado poder, função ou cargo eclesial, político e social só são fortes diante dos fracos, mas tornam-se fracos diante dos fortes. Fortes são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põe em prática, como pedagogicamente aprendemos neste domingo. [...]

            Os ‘ímpios’ descritos pelo autor da primeira leitura são que, além de não aderirem aos valores de Deus, ainda zombam dos costumes e dos valores religiosos, por considerarem essas práticas religiosas inadequadas para os dias de hoje, ou seja, não compatíveis com a modernidade. Os justos, com sua prática de vida, acabam por ser uma espécie de empecilho aos ímpios que se sentem continuamente questionados. Estes reagem, atacando os justos e colocam Deus a prova para ver até onde ele permite o sofrimento dos que o temem.

            O Livro da Sabedoria nos oferece uma palavra de ânimo, muito oportuna para nossos dias, pois todo justo será recompensado e sua vida experimentará a plena e definitiva vida que Deus reserva para aqueles que escutam suas palavras, aceitam seus desafios, trilham seus caminhos e se comprometem com a construção de um mundo mais fraterno, lutando pela justiça e pela paz.

            Quem optar viver segundo a ‘palavra de Deus’ não terá facilidades, nem viverá em um romantismo mágico pelo qual tudo acabará em alegrias e grandes realizações. Estará, porém, sujeito a críticas, a perseguições, a incompreensões e até ao próprio fracasso. Entretanto não serão as situações contrárias que farão com que desanimemos na prática da justiça.

            O texto que nos é proposto na carta a São Tiago leva o cristão a fazer uma sincera análise sobre a origem das discórdias que destroem a verdadeira vida das comunidades cristãs. O autor exorta a comunidade para que não perca os valores cristãos autênticos e coloque em prática a palavra de Deus, que se encontra, de maneira privilegiada, em Jesus Cristo, fazendo de suas vidas um dom de amor aos irmãos, traduzindo em gestos concretos de partilha, serviço, solidariedade e fraternidade.

            Vigiemos para que nosso coração não esteja ocupado por ambições, invejas, orgulhos, competições, egoísmos que nada mais criam que divisões e nos impedem de entrar na vida plena. [...]

            Falamos muito em “fraternidade presbiteral”. Lamentavelmente é pura hipocrisia a relação entre nós, porque é exatamente a descrita no parágrafo acima. Temos tanto medo uns dos outros, que nos evitamos. Alguns ainda se encorajam de se dirigirem aos colegas, quando necessitam de algo, ou quando não tem jeito mesmo de evitar encontros mais forçados do que espontâneos. Ressaltamos, geralmente, o que existe de negativo nos outros e procuramos esconder o que têm de bom. Por que será assim? Pergunto-me sempre, como é possível alguém ser portador do perdão, da misericórdia e da absolvição dos pecados de uma Comunidade inteira, mas totalmente incapaz de perdoar o próprio irmão de ministério. Evitar um irmão de ministério é tão feio e diabólico como se evitam os adversários políticos em época de concorrência a cargos públicos, onde muitos inescrupulosamente pisam sobre os outros. O fim último é chegar ao poder e ao prestígio a todo custo, mesmo que se deixem alguns flagelados pelo caminho. Imagino o que Cristo, principalmente através de São Tiago não cochicha às consciências de tais pessoas, revestidas do sagrado Sacramento da Ordem, ou instituídas em Serviços Públicos. [...]

            Jesus teve dificuldade de fazer com que entendessem. Ainda hoje podemos ter essa mesma dificuldade. Não temos tempo para saborear e entender a palavra de Deus, pois nossas preocupações podem estar sobre outras realidades. Será que não ficamos falando tantas coisas que não são tão importantes ou fundamentais? Por isso, a dinâmica de Jesus é muito importante: sentou-se, chamou mais perto, tomou a criança como exemplo... Sempre vai educando os discípulos sobre que tipo de messias é e como quer que sejam os que se dispõem a segui-lo. O evangelho é um contínuo ensinamento, mas a cegueira dos discípulos persiste. Quem quiser segui-lo deve dispor-se a servir.

            Assim como no tempo de Jesus, o interesse de saber quem é maior toma conta de muitas rodas de conversas e orienta as ações de muitas pessoas hoje, determinando as prioridades e os investimentos. Neste dia, cabe uma pergunta: em que estamos investindo nosso tempo, nossas energias, nosso dinheiro, enfim, nossa própria vida? Em realidades passageiras que, aparentemente, podem ser importantes, pois vivemos em uma sociedade capitalista e imediatista, ou em ações que conscientemente constroem pessoas, famílias e um mundo que proporcione o prazer de uma vida integral? Jesus nos convida a abandonarmos nossos sonhos egoístas e orientarmos nosso agir para a essência de sua proposta.

            No Reino de Deus não há uma escala hierarquizada de pessoas que possam ser umas mais importantes que as outras, mas há uma proposta de amor que se realiza no próximo. Algo difícil para nossos dias. O próximo, neste caso, está simbolizado pela criança que é sinal dos que são os últimos. Assim, a proposta de Cristo deve começar pelos que são últimos: os sem direitos, os fracos, os pobres, os indefesos, os facilmente manipulados, tal como eram vistas as crianças em seu tempo. O maior é aquele que ama e serve” (Cf. Roteiros Homiléticos da CNBB n.23, pp.26-33).

            Pouco tempo antes de sua páscoa, tive o privilégio de conversar longamente com o Pe. Léo da Canção Nova, enquanto aguardávamos nosso voo atrasado no aeroporto de Navegantes (SC) com destino a São Paulo. Havia muita neblina. Entre as tantas coisas profundas que ouvi do Pe. Léo, lembro a propósito da Palavra de Deus deste domingo, duas: “Sempre tive muita pena dos pobres. Depois que fiquei doente e percebi que não era de nada, passei a ter pena dos ricos. Os pobres, quando chamados à eternidade, não terão praticamente nada a deixar para trás. Mas coitados dos ricos, que acumulam coisas desnecessárias. Quando esses forem chamados a deixarem este mundo, terão de deixar tudo que acumularam para trás. De quantos projetos precisei abrir mão, desde que soube que tenho pouco tempo de vida. É doloroso demais...” “O cristão autêntico é como um bambu: vem ventos fortes que o levam ao chão e ele se reergue... vem as chuvas fortes, e ele se refresca, porque não teme as tempestades... vem os relâmpagos e ele os absorve e enterra... o bambu, como o cristão, por mais que seja surrado, nunca desiste de crescer para o alto!”

            Não desanimemos jamais. Olhemos para o alto e façamos dele nosso destino, nosso Fim Último, porque lá está a esperança de nosso futuro e de nossa felicidade verdadeira!

Sejam todos muito abençoados. Com ternura e gratidão, o abraço sempre fiel e amigo,

Padre Gilberto Kasper

(Ler Sb 2,12.17-20; Sl 53(54); Tg 3,16-4,3 e Mc 9,30-37)

terça-feira, 18 de setembro de 2012

A FIGUEIRA QUE QUERIA SER CRUZ


Foto: K2 Imagens.
 
 
A FIGUEIRA QUE QUERIA SER CRUZ 

“É como decifrar sinais sem ser sábio competente...” 

                                                                                Violeta Parra 

Em Marcos 11: 12 – 14, existiu uma figueira coberta de folhagens, em direção a qual Jesus se dirigiu para ver se acharia algum fruto. Mas nada encontrou senão folhas, pois não era tempo de figo. Dirigindo-se à árvore, Jesus disse: “Ninguém jamais coma do teu fruto”.

E ninguém mais comeu, e nem comeria,  dos frutos físicos dessa figueira.

Mas naquela época, ninguém percebeu uma pequena Pomba Branca, a mesma que apareceu no batismo do Cristo — segundo o famoso quadro de Verrocchio, Leonardo da Vinci e Botticelli — fugindo com uma única semente no bico.

E o tempo passou.

E como não poderia deixar de ser, Jesus, depois de tanta insistência do Espírito Santo, resolveu perdoar a figueira, mas não de todo: deu autorização divina à pombinha branca que procurasse por um local adequado para nele deixar a semente com mais de dois mil anos, mas ela não deveria dar frutos pois palavra de Deus não volta atrás.

Ora, o local adequado para acolher semente tão preciosa só poderia ser a torre de uma igreja.

A Pomba Branca chegou a sobrevoar a Catedral de uma grande capital do Brasil — para agradar a Deus, que dizem , é brasileiro — mas acabou vindo parar em Ribeirão Preto, mais precisamente na avenida da Saudade. E numa torre simples, antiga, mas que abriga a seus pés muitas histórias de amor e fraternidade,  a Ave construiu  seu ninho e nele depositou, sem alardes, a semente.

E a semente se fez arbusto antes do final dos tempos previsto pelos Maias para dezembro de 2012.

Mas sabemos que é da natureza da figueira dar frutos.

E a semente, agora jovem figueira,  silenciosamente, autorizada pelo Pai, encontrou uma forma de “burlar” a ordem do Filho: dia a dia, entrelaçou suas raízes em forma de cruz, ao invés de entrelaçar galhos e parecer acintosa diante do Criador.

Para não destruir parte do Templo, ofereceu-se novamente em holocausto nas mãos dos bombeiros, homens que salvam vidas.

Mas dessa vez, não secou, e de forma poética, no momento em que o inverno se fazia primavera, voltou a dar frutos, um pão espiritual oferecido aos pobres da Santo Antoninho, em forma de cruz  entronizada.
 

ANTONIO CARLOS TÓRTORO


www.tortoro.com.br

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

HOMILIA PARA O 24º DOMINGO DO TEMPO COMUM DE 2012


Meus queridos Amigos e Irmãos na Fé!

            “O Mês da Bíblia que estamos trilhando, instituído em 1971, tem como meta instruir os fiéis sobre a Palavra de Deus e difundir o conhecimento das Sagradas Escrituras. Já dizia São Jerônimo que ignorar as Escrituras é ignorar o próprio Cristo. A implantação desse mês temático colaborou na aproximação do Povo de Deus com a Bíblia. Cresce a consciência e o esforço para a necessária animação bíblica de toda a pastoral. Propondo o estudo e a reflexão do Evangelho de Marcos para este mês, a Igreja deseja reforçar a formação e a espiritualidade de seus agentes e fiéis, no seguimento de Jesus Cristo.

            Na caminhada litúrgica que fazemos, nos reunimos para celebrar o Vigésimo Quarto Domingo do Tempo Comum, em que os discípulos de Jesus são interrogados pelo Mestre sobre quem dizem que ele é. Pedro responde categoricamente: ‘Tu és o Messias!’. A partir do contato que estamos tendo com o Evangelho de Marcos, o que podemos afirmar da identidade de Jesus? Certamente já temos respostas muito oportunas. [...]

            Em clima de Campanha Eleitoral, preparando-nos para exercer nossa cidadania nas Urnas Eletrônicas no próximo dia 7 de Outubro, seria oportuno trazer à nossa realidade o evento dialogal de Jesus com seus discípulos. Não queremos subestimar a pessoa do Senhor e muito menos idolatrar nossos Candidatos às Prefeituras e Câmaras de Vereadores. Mas pensem comigo, se a situação não se parece? Seguramente os Candidatos, a cada momento, diariamente, buscam saber de seus assessores, como estão as pesquisas oficiais e oficiosas. Imagino que a pergunta dos Candidatos aos assessores deva ser muito parecida com a de Jesus aos discípulos: ‘O que dizem os Eleitores a meu respeito? Vocês acham que temos chance de ganhar estas eleições? Quem pensam os Eleitores que eu sou?’ A resposta dos discípulos é muito precisa quanto ao que pensa o povo sobre a identidade de Jesus: totalmente equivocada! Ainda o povo não conhece bem a Jesus. A impressão que o evangelista passa, que isso para Jesus não é o que mais interessa. O interessante mesmo para Jesus, é a opinião, a noção, o conhecimento dos mais próximos; daqueles escolhidos a dedo, em que Ele colocou toda sua confiança e a quem prepara para se tornarem um seguimento Seu: discípulos e missionários, outros cristos num mundo ingrato, violento, vazio de valores e oco de Deus! É onde entra a profissão de Pedro, que deverá ser sempre a de qualquer cristão autêntico, sem medo de perder sua vida, sua posição social, seu emprego, sua honra, seu prestígio por nada: ‘Tu és o Messias!’. Resposta que implica uma compreensão clara da cruz, do calvário, da zombaria, dos açoites daqueles que pretendem comprar nossa consciência (nosso voto a qualquer preço). Só reconhece Jesus como o próprio Deus conosco quem faz a experiência de ser livre para amar, falar sempre a verdade, ser coerente, transparente, não decepciona, vive a justiça,  promove o bom senso e a verdadeira paz. [...]

            No dia 14 de Setembro, celebramos a Festa da Exaltação da Santa Cruz e a Festa de Nossa Senhora das Dores. Dor, sofrimento são coisas que os homens e mulheres de nosso tempo procuram, de muitos modos, diminuir, abreviar e até eliminar. O que dizer então do luto? Abreviam-se, em geral, cada vez mais o tempo dos velórios, misturam-se elementos diversos para tornar esses momentos o menos traumático possível. [...] Por que temos tanto medo da morte, quando é uma das raras certezas que temos? Não seria melhor olhar a morte com mais humanidade, melhorando, cada vez, que ela passa por perto e leva de nosso convívio alguém que amamos nossa qualidade de vida? Cada vez que me encontro num velório, imagino-me confinado naquele pedacinho de madeira... E se fosse eu? O que seria de mim? Por que corremos tanto atrás de bens materiais, prestígio, poder, cargos, funções, quando todos, sem escapar ninguém, um dia teremos de responder à eternidade, quando de lá ecoar nosso nome? Não consigo compreender, como nossas pretensões, ganâncias, egoísmos, mesquinharias e desamores possam conduzir nossas relações, se um dia tudo acabará na eternidade, diante de Deus, d’Aquele que Pedro chama de Messias? Nem por último: não levamos nada conosco. Estaremos despidos de qualquer posse, mas vestidos de valores que procuramos cultivar como: humildade, mansidão, ternura e tantas outras belezas humanas! Por isso, ter medo da morte é desconhecer Jesus, estar equivocado quanto à sua identidade. É fé imatura, esclerosada, ressequida, murcha, inútil, já que nossa verdadeira fé se debruça sobre a esperança de que morrendo, veremos Deus como Deus é. E isso basta! [...]

            O salmo 114(115) expressa a confiança em Deus que é amor-compaixão. O senhor liberta a vida da morte, enxuga dos olhos os prantos e os pés do tropeço. Qual o limite de nossa confiança em Deus? Além das palavras do salmista, a liturgia deste domingo nos apresenta as palavras do ‘servo de Javé e o primeiro anúncio da Paixão feito por Jesus.

            O evangelho deste domingo constitui a parte central do Evangelho de Marcos. Jesus, no caminho, interroga os discípulos para saber o que o povo e eles mesmos conseguiram entender a seu respeito. Depois de ouvir aquilo que é opinião do povo, dirige-se diretamente a eles. Pouco antes, Jesus os repreendera porque estavam como que cegos, ‘têm olhos, mas não veem’ (Mc 8,18), e seus corações endurecidos não lhes permitem entender sua verdadeira identidade. Pedro é muito exato em sua resposta: ‘Tu és o Messias’. A imposição do silêncio por parte de Jesus se deve, certamente, à ideia distorcida que Pedro e os demais discípulos têm a seu respeito, o que se comprova mais adiante na outra reação de Pedro.

            Jesus, anunciando sua Paixão, o modo como o Pai realizará nele sua obra salvífica, deseja eliminar todo mal-entendido. Vejamos se também nós, ao basearmos o crescimento do Reino de Deus em fama, triunfo, aplausos alcançados, templos cheios, não estamos seguindo os critérios dos homens...

            Quais seriam as palavras de Jesus para nós, seus discípulos hoje?

            Hoje, torna-se cada vez mais pesada a cruz do testemunho autêntico de fé e do seguimento. Em muitos ambientes sociais, é pesada a cruz da identidade da fé católica; a cruz dos conflitos familiares; a cruz das intrigas entre lideranças (também entre candidatos políticos que ao invés de apresentarem suas propostas e capacidades, gastam seu tempo atirando pedras no telhado dos outros, mesmo tendo cada um seu telhado de vidro, de alguma maneira); a cruz da incerteza e da carência de dignas condições de vida; a cruz da fome, do desemprego, da falta de saúde, da exclusão, das promessas não cumpridas...

            Finalmente, somos convidados a colocar-nos no lugar de Jesus sempre: calçar suas sandálias, pensar seus pensamentos, falar suas palavras, agir seu imensurável amor por todos, indistintamente!

            Desejando-lhes muitas bênçãos, com ternura e gratidão, o abraço amigo,

Padre Gilberto Kasper

(Ler Is 50,5-9; Sl 114(115); Tg 2,14-18 e Mc 8,27-35)

terça-feira, 11 de setembro de 2012

A EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ


            Na torre da Igreja Santo Antoninho, Pão dos Pobres de Ribeirão Preto nasceu por obra da natureza uma figueira. Percebendo que suas raízes comprometiam a estrutura feita apenas de barro e tijolos, procuramos inúmeras maneiras de extrair a arvorezinha, sem sucesso. Nosso amigo há 30 anos, Oswaldo Pinto de Carvalho, Diretor Presidente da Ambiental, propôs-se, como é seu hábito sempre solícito, a resolver nosso problema. Tomou todas as providências, mas faltava-nos um caminhão com um guincho que alcançasse a torre, já que o acesso é difícil, devido ao estado precário de nosso Templo que grita urgentemente por um sério restauro.

            Nato Campos, grande amigo e jornalista, procurou-nos e intermediou o generoso Diretor Presidente da C.H.F., Carlos Henrique Farias, que gentilmente se uniu à Ambiental para juntos, extraírem a figueira da torre de nossa Igrejinha. Tudo aconteceu na manhã do dia 22 de agosto. Além da ampla cobertura que Nato Campos deu ao desagradável arrombamento de nossa Igreja, acompanhou também, a extração da figueira. Levou suas raízes ao seu Programa de Televisão, e no dia 24 de agosto, ao vivo, esculpiu uma cruz do meio das mesmas raízes, que seguravam a figueira na torre. A natureza encarregara-se de formar uma cruz bordada entre o emaranhado das raízes. Doou a cruz natural à Igreja Santo Antoninho, que passará a ser a sua Cruz Oficial a partir de sua entronização.   

            Aproveitando a Solene Festa da Exaltação da Santa Cruz, dia 14 de setembro, sexta-feira, durante a Santa Missa às 19h30 na Avenida Saudade, 222-1, nos Campos Elíseos, faremos a Entronização da Cruz Oficial de nosso Espaço Cultural de Espiritualidade Santo Antônio, Pão dos Pobres. Guardada em nicho especialmente confeccionado para ela, Nato Campos a levará a fim de ser abençoada e colocada à veneração do querido Povo que frequenta nossa Santo Antoninho. A cruz, para os judeus era sinal de vergonha e escândalo; para os romanos, era sinal de loucura, mas para nós cristãos, a cruz é sinal de nossa Salvação.

            De uma pequena figueira extraída da torre de nossa Igreja, Nato Campos ganhou, para doar a quem desejar mil mudas de novas árvores. Após a Missa da Entronização de nossa Cruz Oficial, distribuiremos as mudas, a fim de que nosso povo as plante, arborizando mais nossa cidade tão sofrida, principalmente na estação do inverno seco e de tão baixa umidade do ar. Sintam-se todos convidados a participar deste momento solene que irradia cidadania desde a torre de nossa pequenina Igreja, tão linda e amada por nós!

Pe. Gilberto Kasper

Mestre em Teologia Moral, Especialista em Bioética, Ética e Cidadania, Professor Universitário, Assistente Eclesiástico do Centro do Professorado Católico, Reitor da Igreja Santo Antônio, Pão dos Pobres da Arquidiocese de Ribeirão Preto e Jornalista.